Publicado na BBC Brasil.
“O ‘Vem pra Rua’ não defende o impeachment, então a gente considera que eles não sejam bem-vindos no dia 15. Sem foco, fica a bagunça dos protestos de 2013”, diz Kim Patroca Kataguri, coordenador nacional do Movimento Brasil Livre (MBL).
“O Marcello Reis (fundador do ‘Revoltados On Line’) já defendeu militarismo e um projeto absurdo de restrição a cinco partidos: extrema direita, direita, centro, esquerda e extrema esquerda”, continua o ex-estudante de economia de 19 anos, em entrevista à BBC Brasil por telefone. “Imagina isso. Liberal, só a gente.”
Unidos pelo descontentamento comum com o governo Dilma Rousseff e pela habilidade em agregar seguidores nas redes sociais, Vem Pra Rua, Revoltados On Line e Movimento Brasil Livre contam juntos mais de um milhão de fãs só no Facebook.
Em contagem regressiva para a série de protestos marcados em vários Estados no dia 15 de março, eles se revezam entre até 200 postagens diárias de fotos, vídeos, memes e reportagens críticas ao governo federal – além de convites para os protestos.
Mas a reta final para as manifestações também revela disputas, críticas mútuas e a ausência de uma agenda política comum entre os grupos.
O fogo cruzado começa em torno da autoria dos protestos.
“Outros movimentos participarão como convidados, mas não estão na organização”, diz o porta-voz do MBL, que reivindica para si a criação das manifestações do dia 15 e critica os “oportunistas que queiram promover pautas em cima do nosso movimento”.
O administrador de empresas Marcello Reis, de 40 anos, fundador do Revoltados On Line, discorda. “Não é verdade. A iniciativa do dia 15 veio pelo Whastapp espontaneamente, foi popular. O MBL só foi o primeiro a protolocar.”
Também por telefone, Rogério Chequer, 46 anos, sócio de uma consultoria “especializada em apresentações corporativas” e criador do Vem Pra Rua, questiona:
“Algum grupo confirmou a você ter sido convidado?”, perguntou. “Ninguém foi convidado. A manifestação é absolutamente livre e começou em mensagens SMS para milhares de brasileiros, mas ninguém sabe a fonte”, diz.
‘Fogo amigo’
Com tom pausado e didático, pronunciando bem cada sílaba, Chequer é voz mais moderada entre os três grupos. Na última terça-feira, chegou a publicar um vídeo pedindo o fim do “fogo amigo”.
“Nós não vamos entrar nessa de gastar tempo e energia tentando gerar um fogo amigo dentro de uma oposição que deveria estar muito unida”, diz no filme, curtido por 5 mil pessoas. “O importante agora é a gente ir para a Paulista em torno de uma mesma causa: pedir pela mudança nesse nosso país querido que está sendo tão prejudicado pelo governo atual.”
O empresário ironiza a polêmica sobre a autoria dos protestos. “Não fomos os primeiros a convocar e não pretendemos ser os maiores, os mais bonitos. Queremos aglutinar as pessoas que estão em torno da mesma causa”, diz.
Com estratégia distinta, apresentando-se apenas como “colaborador do protesto de domingo”, o Revoltados On Line tentou mobilizar seus 700 mil seguidores para o que chamou de “gigantesco ‘abre alas’ das manifestações”.
Sem a adesão dos outros grupos, a caminhada promovida na quarta-feira, no Rio de Janeiro, reuniu menos de 50 pessoas em frente à sede da Petrobras.
Vandalismo
Após reunião na segunda-feira com a Polícia Militar, os três grupos decidiram que irão manter seus carros de som em pontos distintos da avenida Paulista, em São Paulo.
Diferente dos protestos promovidos por setores ligados à esquerda em 2013, a manifestação da direita se manterá parada, sem circular por diferentes pontos cidade.
“É para manter a ordem acima de tudo”, diz Reis, do ‘Revoltados’, que no passado pregou a intervenção militar e hoje diz “ter estudado e encontrado outros caminhos democráticos para derrubar o PT”.
“Não vai ter vandalismo e black bloc, é um manifesto para a família”, afirma.
Patroca Kataguri, do MBL – citado em fevereiro pela revista The Economist como defensor do livre mercado no Brasil –, explica que o ato será “uma ação pontual, não uma união dos grupos”.
“Defendemos o impeachment, mas não somos apenas anti-PT”, ele diz, defendendo a privatização da Petrobras e o uso de ‘vouchers’ (ou cartas de crédito, como ocorre em alguns locais dos Estados Unidos) para saúde e educação.
“Liberal (entre os movimentos), só a gente”, afirma.
Partidarismo
Rogério Chequer, do Vem Pra Rua, disse em entrevista ao #salasocial considerar as diferenças entre os grupos “indesejáveis, mas compreensíveis”.
“É natural que no calor das emoções as pessoas acabem talvez querendo um pouco mais de protagonismo”, diz.
Ele explica porque não defende o impeachment ou a renúncia de Dilma Rousseff.
“Não somos a favor porque não acreditamos que exista ainda tese jurídica para que ele aconteça”, diz.
Questionado sobre os efeitos que espera das manifestações, Chequer aponta “mais foco no interesse do povo e menos nos interesses de perpetuação do poder e compra de controle”.
Após comentar nas redes sociais sobre um suposto vínculo com o PSDB – sugerido por outros grupos envolvidos nas manifestações de domingo –, ele voltou a frisar à reportagem que seu movimento é “suprapartidário”.
“Comecei a ver mensagens e vídeos nesta direção”, diz. “O vínculo com o PSDB não existe. A gente os trata do mesmo jeito que trata os demais partidos.”
Durante as eleições, o Vai Pra Rua apoiou publicamente o então candidato Aécio Neves – que nesta quarta-feira afirmou que o “impeachment não está na agenda do PSDB”.
“Não quero ser leviano e não reconhecer que por três semanas apoiamos o candidato do PSDB”, prossegue Chequer. “No segundo turno, nos deparamos com o desafio: como nos manter suprapartidários se somos contra a reeleição e votos brancos?”, explica.
À frente do único entre os movimentos a não pedir doações financeiras de seus seguidores nas redes, o empresário afirma que as vinhetas, músicas, vídeos e pagamentos feitos ao Facebook para promoção de sua página – “feitos para direcionar melhor as postagens’ – são financiados coletivamente por membros do movimento.
“As doações são espontâneas de pessoas envolvidas na coordenação do movimento”, diz. “São centenas.”