Os parlamentares de esquerda deveriam renunciar se a prisão política de Lula se mantiver. Por Arnóbio Rocha

Atualizado em 11 de maio de 2018 às 20:40
Manuela D’Ávila, Lula e Guilherme Boulos

POR ARNÓBIO ROCHA

Vive-se uma ruptura de uma época.

O conceito dos poderes formais do estado, a divisão clássica de Executivo, Legislativo e Judiciário, já não encontra mais valor ou necessidade concreta.

Apenas de forma cada vez mais abstrata e menos efetiva essas funções se mantêm separadas.

A lógica neofascista do novo liberalismo, parida em 2008, não deixará ninguém com poder. O Kapital vai concentrar suas ações em algo perene, que não dependa de eleições, de leis e de julgamentos.

A construção da máquina de uma burocracia fixa e submetida completamente aos interesses do Kapital, protegida de decisões que envolvam votações ou grupos de pressões. O novo estado tem a exceção como regra, não será transitório, mas perene.

O contraditório período petista foi das enormes concessões dadas àquele 1% ao mesmo tempo de conquistas aos 99%, num complexo caso de conciliação e inteligência, arquitetado por alguém, como Lula, com conhecimento real do que é ser excluído, não aprendido em manuais, mas vivido e não esquecido.

Mesmo assim, não há lugar na história dos poderosos para ele, nem para ninguém que não venha dos de cima, não adiantaram as concessões ou afagos em troca de relevantes conquistas, não se pode governar com nenhuma nuance diferente daquilo que o Kapital estabelece, daí o risco e a necessidade de que Política e Democracia se tornem irrelevantes ou algo tão confuso que não valha a pena acreditar.

Repito: mesmo nos marcos do Kapital, a Democracia e a Política são estorvos ao Poder Real, custosos e perigosos demais.

A derrocada da experiência petista no governo central passou pela chantagem a seu maior líder. Se por um lado ameaçavam apear Dilma do governo, do outro lado, através da malfadada Lavajets, pressionavam Lula com condenações em processos surreais, minando suas forças e impedindo uma reação em vários momentos.

As duas táticas sincronizadas aumentou o poder de fogo golpista. As manchetes de um lado e de outro demostravam como agiram deliberadamente. E isso perdura com sua prisão.

A naturalidade com que se concede a liberdade de qualquer figura envolvida nas corrupções do PSDB, em contraste às seguidas derrotas dos recursos intentados pela liberdade de Lula, não causam nem clamor popular, nem mesmo curiosidade da mídia.

São processos complementares e que continuarão numa conjuntura cada vez mais desigual, sem que haja uma reação.

Quando haverá reação?

Ainda dá tempo de a esquerda tomar alguma iniciativa política, inclusive ameaçar não participar de uma eleição feita em exceção (ou regra), sem liberdade e sem garantia de participação popular.

A ameaça de processos a qualquer candidato de esquerda e as mãos livres dos candidatos da direita não deve ser encarada como normal. Sem uma ação comum e decisiva pode levar não apenas a uma derrota acachapante, mas jogar a esquerda no gueto.

Os atuais parlamentares de esquerda podem, também, ameaçar uma renúncia coletiva, se a situação da prisão política de Lula se mantiver.

Toda a atuação no Congresso após o Golpe serviu para legitimar, de certa forma, as votações das reformas contra o povo que levaram o país ao caos de desemprego, miséria e desesperança generalizada.

Essa é a gravidade do momento. Lula preso é o aprisionamento da esquerda, de uma corrente de pensamento, de uma ideia de autonomia e país independente. E é exatamente essa a nova lógica do Kapital.