A sugestão dos partidos de esquerda para que fossem adiadas as manifestações deste domingo não encontrou eco. O bom número de pessoas no Largo da Batata e em inúmeras outras cidades brasileiras é maior sinal desta insubordinação.
Os argumentos de que a agenda de protestos traria riscos em razão da pandemia e da infiltração de agentes de inteligência não foram suficientes para estancar a insatisfação popular.
Cravado por setores progressistas, não sem razão o lema ‘saia de casa somente em extrema necessidade’, não bastou para a espontaneidade consumada neste domingo.
Antes, pela manhã, a classe médica promoveu ato em defesa do SUS em frente a Faculdade de Medicina da USP.
Em São Paulo compareceram ao ato alguns parlamentares de ligação com a luta agonizante do dia a dia da periferia.
Foi na periferia que eclodiu a organização do ato da Paulista (01/06) promovido pelas torcidas organizadas e prontamente engajada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Tetos – MTST.
Outras organizações estudantis e de trabalhadores também compareceram.
Durante a semana passada militantes e dirigentes da esquerda divergiam sobre questões menores como organização, local do possível ato, se participariam, se haveria violência, etc.
A mesma divergência insana permeou a pauta da semana sobre assinaturas de manifestos em defesa da democracia e contra o fascismo.
A questão de ordem, dos riscos a democracia e do avanço da extrema direita quase se perderam na infâmia dos debates.
Não há manifestação de rua sem agentes de inteligência infiltrados e/ou uso da violência policial para conter o grito da exclusão e da miséria.
Há na esquerda tradicional brasileira traços do Castilhismo, de esperança da conciliação, do recuo que jamais haverá pela extrema direita acoplada no Planalto Central.
Ao sugerir o adiamento das manifestações, os dirigentes dos partidos de esquerda perderam a noção do tempo, uma vez que o espaço já havia sido perdido para as forças conservadoras desde o Golpe de 16.
A pandemia trouxe em seu lastro o retrato da alta concentração de renda e riqueza em todo o mundo. Acrescida a brutal desigualdade econômica e social, o estopim da execução de George Floyd escancarou ainda mais as mazelas que a política do ‘rentismo’ nos legou.
Há aqueles que afirmam que é hora de uma ampla aliança até doer.
Ampla aliança sem ocupar as ruas não resultará em mudanças.
Se a recomendação é para sair de casa somente em extrema necessidade, a primeira de todas é ir às ruas contra o fascismo.
Edson Domingues é sociólogo e militante político em São Paulo.