Os povos da floresta não existem nem no discurso de Bolsonaro. Por Moisés Mendes

Atualizado em 23 de abril de 2021 às 11:10
Bolsonaro discursa na Cúpula do Clima promovida por Joe Biden. Foto: Reprodução

Publicado originalmente no Jornalistas pela Democracia:

Por Moisés Mendes

O discurso de três minutos de Bolsonaro ontem na Cúpula do Clima fala uma vez, uma única vez, a palavra indígenas. Deveria falar de todos os povos da floresta, que não são apenas os povos indígenas.

Chico Mendes não era indígena. Bolsonaro se referiu às comunidades tradicionais. Chico era filho de cearenses, era um caboclo nascido em Xapuri. Marina Silva não é indígena.

Na única vez em que se referiu aos indígenas, Bolsonaro disse:

“Devemos aprimorar a governança da Terra, bem como tornar realidade a bioeconomia, valorizando efetivamente a floresta e a biodiversidade. Esse deve ser um esforço, que contemple os interesses de todos os brasileiros, inclusive indígenas e comunidades tradicionais”.

Prestem atenção no detalhe: inclusive indígenas e comunidades tradicionais. Inclusive? Parece que Bolsonaro faz uma concessão e inclui os indígenas.

A palavra inclusive é inadequada. É como se ele dissesse que até mesmo os índios terão seus interesses (e não seus direitos) preservados. O que ele deveria dizer é que os cuidados do Estado com a floresta e a biodiversidade devem começar pelos seus moradores, pelos povos que estão ali, que vivem daquilo, que protegem a Amazônia.

Não tem nada de inclusive, ou não deveria ter. Bolsonaro não faz nenhuma menção respeitosa de exaltação aos protetores de biodiversidade, aos guardiões da mata.

Não precisava ter citado Chico Mendes, que ele deve achar que era uma figura de esquerda, mas poderia, se fosse um presidente normal, ter feito uma citação genérica aos povos que protegem e são protegidos pela floresta.

A Amazônia é um bem da humanidade. Mas tem moradores, que devem ser os primeiros a merecer proteção. Não há como falar em benefícios para a humanidade, quando a floresta é o assunto, e não falar dos que moram ali.

Bolsonaro mentiu do começo ao fim do discurso, contando vantagens sobre o que não existe. O sujeito desmontou toda a estrutura de proteção da Amazônia e incentiva a destruição dos seus povos.

O discurso é uma peça exemplar do cinismo de um criminoso. É como se em algum momento Hitler tivesse feito um discurso dizendo que defenderia os judeus.

O mundo sabe que Bolsonaro está massacrando os índios e protegendo grileiros, madeireiros, garimpeiros, incendiários e todos os bandidos e donos das boiadas da Amazônia. Os povos da floresta mão existem nem como demagogia na fala para Bolsonaro.

O mais provável é que, apesar da postura de Joe Biden, tudo continue como está. Bolsonaro pode ir para o purgatório dos interesses econômicos mundiais e continuar fingindo que não faz o que todos sabem que fará sempre.