Os protestos na praça Taksim Gezi, em Istambul, são a semente da Primavera Turca

Atualizado em 2 de junho de 2013 às 1:36

Os manifestantes estão galvanizando o descontentamento com o governo.

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Publicado originalmente no Guardian.

POR RICHARD SEYMOUR

Na sexta-feira de manhã, a polícia turca cercou manifestantes no parque Taksim Gezi, a praça central de Istambul, bloqueou todas as saídas e os atacou com gás lacrimogêneo e sprays químicos.

Um movimento ao estilo Occupy decolou em Istambul. A questão do conflito ostensivo é modesta. Os manifestantes começaram a se reunir no parque no dia 27 de maio para se opor à sua demolição como parte de um plano de desenvolvimento urbano. Mas isso é mais do que um protesto ambiental. Tornou-se um para-raio de todos os ressentimentos acumulados contra o governo.

A polícia esperou até as primeiras horas da manhã para atacar, assim como a polícia dos EUA ao lidar com os manifestantes do Occupy. Incendiaram as barracas em que os manifestantes estavam dormindo e lançaram bombas com spray de pimenta e gás lacrimogêneo. Um estudante teve que passar por uma cirurgia por causa de lesões nos órgãos genitais.

Os ocupantes começaram a usar máscaras de gás caseiras. Mais importante, eles apelaram à solidariedade. Em resposta ao ataque de ontem, milhares de pessoas apareceram, incluindo políticos de oposição. Mas o ataque desta manhã não deu chance a nenhuma defesa ou fuga. O parque, e a área ao seu redor, ainda está fechado, e ainda sob nuvens de gás.

Em abril, um líder do Partido Justiça e Desenvolvimento (AKP) advertiu que os liberais que os haviam apoiado na última década não mais o fariam. Foi um sinal de que a repressão iria aumentar, já que o partido islâmico neoliberal queria impor à força sua agenda de modernização.

O AKP representa um tipo peculiar de populismo conservador. Seu alicerce, enriquecido imensamente na última década, é a burguesia muçulmana conservadora que surgiu em 1980 como resultado de políticas econômicas de Turgut Ozal. Mas, apesar de negar que é um partido religioso, ele tem usado argumentos moralistas muçulmanos para ganhar base popular e fortalecer a direita urbana.

Ele passou mais de uma década no governo para construir a sua autoridade. O processo de privatização levou à desigualdade acelerada, acompanhada de repressão. Mas a Turquia também tem atraído o investimento internacional, com taxas de crescimento de cerca de 5% ao ano. Isso permitiu ao regime pagar o último de seus empréstimos ao FMI, de modo a oferecer ao FMI 5 bilhões de dólares para ajudar na crise da Zona do Euro em 2012.

Os manifestantes enfrentam a polícia
Os manifestantes enfrentam a polícia

Nesse meio tempo, o AKP tem gradualmente consolidado seu apoio no aparelho de estado e na mídia e não precisa mais de seus aliados liberais. As lideranças militares turcas foram obrigadas a aceitar os islâmicos, tendo sofrido uma perda significativa de força em relação a outros poderes, como a polícia e o judiciário. Embora a erosão do poder dos militares deveria ser um ganho para a democracia, os jornalistas também acabaram na prisão sob a acusação de conspirar para dar golpes de estado.

O governo acusou 86 pessoas de conspiração em 2008, como parte de uma investigação. Mas tem usado esse medo para confundir toda a oposição e esmagá-la impiedosamente.

Ele também demonstrou confiança na forma como tem lidado com a questão curda. O governo iniciou negociações significativas com o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) em 2009, em parte porque quer forjar uma relação lucrativa com o governo regional curdo no Iraque.

Sob o AKP, a Turquia aumentou sua autonomia relativa à Casa Branca e a Tel Aviv, forjou relações próximas com o Irã, o Hezbollah e até mesmo – recentemente – com o presidente Assad, da Síria. Isso tem sido interpretado, histericamente, como “neo-otomanismo”. Mas é simplesmente a afirmação de um novo poder da Turquia.

Fortalecido, o governo está na ofensiva. Ele nunca precisou da esquerda ou do movimento operário, que tem reprimido. Ele não precisa mais dos liberais, como mostram seus ataques aos direitos reprodutivos das mulheres e sua imposição de zonas livres de álcool.

Esse é o contexto em que a luta por um pequeno parque no centro congestionado da cidade tornou-se uma emergência para o regime, e as bases para uma potencial primavera turca.