‘Sem Manet o impressionismo não teria existido’

Atualizado em 19 de março de 2013 às 15:36

Uma exposição na Royal Academy of Arts traz o gênio que abriu as portas para seus colegas impressionistas.

A ferrovia de Manet
A ferrovia de Manet

Uma das coisas de que mais gosto em Londres é estar a um ônibus de distancia dos grandes eventos culturais.

A Royal Academy of Arts está exibindo uma grande exposição dos retratos de Edouard Manet. E nem o frio de 1 grau negativo me desanimou.

Um programa simples. Eu havia comprado o ingresso pela internet na véspera e no dia, um pouco antes da hora marcada, subi num ônibus a dois quarteirões de casa e fui sossegada vendo a neve fininha caindo sobre as pessoas que andavam rapidamente pela rua.

Ainda fico fascinada com a qualidade das exposições que vejo por aqui. Por ter trabalhado na área, sei da dificuldade de reunir tantas obras significativas para um evento. Não é raro acontecer exposições onde poucas obras relevantes do artista estão misturadas a muitas outras nem tanto, ou mesmo exposição de uma obra só.

Gosto mais de Manet do que da exposição que vejo na Royal Academy of Arts. O foco nos retratos – muitos dele comissionados – impede que você tenha uma visão mais clara de quanto Manet foi inovador, provocador, ousado.

A exposição é grandiosa. Bem dividida. Foi montada uma linha do tempo muito didática. Tem muitas obras, os dois quadros emprestados pelo MASP estão ali.

É um prazer passear por entre as pessoas que se acotovelam para admirar as peças. Não há muitas crianças para essa exibição, talvez os retratos de Manet não causem tanta curiosidade nos pequenos, a frequência é basicamente de adultos.

Um especialista em impressionismo escreveu, há mais de cem anos, o seguinte sobre ele:

“Manet não foi o inventor do impressionismo, mas prestou ao movimento serviços preciosos. Ele enfrentou todas as críticas dedicadas a inovadores como ele e os amigos, e com isso abriu uma brecha na opinião pública. Por ela seus amigos passaram depois dele mesmo. Provavelmente todos os impressionistas teriam ficado desconhecidos sem ele, ou ao menos sem influência, porque eles eram grandes na arte, mas tímidos na vida.  (…) Manet morreu, exausto por tanto trabalhar e tanto guerrear, depois de ser submetido em vão a uma amputação de pé para evitar uma gangrena. Tinha 51 anos.”

Me detenho diante dum retrato de Zola, o grande romancista contemporâneo do impressionismo. Foi a maneira de Manet agradecer o apoio que Zola deu a ele e aos demais impressionistas quando eram muito criticados.

Zola
Zola

Presto atenção nos detalhes. Na parede do cômodo em que Zola foi pintado está Olímpia, sob os olhos de uma mucama com uma corbelha nas mãos, em sua nudez perfeita que escandalizou a França nos primeiros tempos do impressionismo.

A grande arte é essencialmente transgressora, e Olímpia é um exemplo disso.  Gosto de vê-la ali, discreta, num detalhe do retrato de Zola.

Procuro, na saída, uma gravura dela na loja do museu, mas não encontro. Levo uma de Hockney.

O frio me desanima de sair para procurar um restaurante, e resolvo almoçar na academia mesmo. Sou atendida por um garçom com pinta de artista com uma franja enorme que o obriga a andar com a cabeça pensa. Escolho uma sopa para esquentar e me preparar para ir embora.

Penso que não é verdade o que disse um escritor americano, que os quadros que os restaurantes penduram na parede não são melhores que a comida que servem nos museus. Pelo menos aquela comida estava à altura da exposição. Satisfeita, me despeço do garçom e sua franja mais suspeita do que a carne moída do Reino Unido.

De volta, no ônibus, penso em como é bom girar pelas ruas de Londres, mesmo sob uma temperatura negativa, e que na semana que vem vou ver Roy Lichtenstein na Tate Modern e torço para esquentar um pouquinho mais…

Monet, a quem Manet chama de O Rafael das águas, em referencia à aquarela, inicialmente posou para a figura do homem sentado.
Monet, a quem Manet chama de O Rafael das águas, em referencia à aquarela, inicialmente posou para a figura do homem sentado nesta obra