POR LAURENIO SOMBRA, professor de Filosofia pela Universidade Estadual de Feira de Santana e doutor em Filosofia pela Universidade Federal da Bahia.

Em artigo de 22 de Abril, o dono da Folha tenta desmontar a tese do golpe. Em seu argumento, aproveita para denunciar que tem acontecido na academia “muito disparate, sobretudo nas ciências humanas”. Supostamente, ele trará a verdade suprema que irá pôr as coisas em seus devidos lugares.
Depois de uma argumentação histórica, naturalizando o processo sobretudo político do impeachment, ele conclui com a parte que certamente julgará quase irrefutável do seu argumento. Os números, que como um dia disse meu amigo Lessivan Pacheco, mentem sob tortura.
“Sempre que há dois anos consecutivos de crescimento negativo, o governo cai. É o que acontece em 1981-3 (-6,3%), levando ao fim da ditadura dois anos depois. É o que volta a ocorrer em 1990-2 (-3,8%), com Collor. E novamente no biênio 2015-16 (-7%), com Dilma.”
Ou seja, ele sugere uma forte relação de causa e efeito, que no mínimo produz uma tendência forte. Mas há dois pontos a considerar aqui.
O primeiro é que no caso de Dilma, ele faz um cálculo do PIB baseado em 2015 e 2016. O PIB de 2015 foi 3,8 negativos, o que certamente contribuiu para enfraquece-la. O de 2016 foi 3,6 negativos. Ocorre que o processo de impeachment de Dilma foi instaurado no final de 2015 e consumado em abril de 2016. Como considerar um resultado que foi posterior ao golpe? Observe também que, nos dois casos anteriores, ele fez uma amostra de três anos. No caso de Dilma, de dois anos, sendo um deles totalmente ilegítimo. Se ele tivesse considerado 2014, teria sido de 2,3% positivo e 2015, 0,5% positivo. O pessoal das Ciências Humanas erra (como todo mundo), mas donos de jornais como ele simplesmente distorcem as coisas. Se isso não é desonestidade, o que seria?
Mas não dá para negar que a piora nas contas, embora não no nível que ele alegava até o golpe, deve ter contribuído para a queda de Dilma. Sem dúvida, não dá. Mas aí entra outra variável que ele “esqueceu”. O país já crescia pouco em 2014. Mas em 2015, houve duas forças que ajudaram a piorar o cenário.
De um lado, Eduardo Cunha comandou uma sistemática de boicote a qualquer ação do governo Dilma. Ela não conseguia aprovar nenhuma medida para controlar as contas, como foi no caso da CPMF. Junto a isso, Aécio Neves comandava a desqualificação política do seu governo, desde o primeiro dia da reeleição. Muito antes, portanto, do PIB começar a cair sistematicamente.
Do outro lado, a imprensa (Folha incluída) comandou uma blitz sistemática contra o seu governo, potencializada pelas denúncias da Lava-Jato. Nessa sistemática, “esquecia” de lembrar coisas importantes. Como a população reagiria, por exemplo, se tivesse sabido que Dilma demitiu os diretores da Petrobrás (e de Furnas) antes da Lava-Jato? Não teria sido um sinal de probidade?
Ou seja: além de ter forçado desonestamente os números, o dono da Folha forçou desonestamente a relação de causa e efeito. A turma das Ciências Humanas (os bons pesquisadores, pelo menos) sabe que os eventos têm fatores multicausais complexos. No caso, o impeachment tem diversos componentes explicativos. Um deles é a própria política de jornais como a Folha. É melhor ficar só com o PIB, né?