Otávio Frias Filho era um homem comprometido com a elite, mas queria se diferenciar dela. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 21 de agosto de 2018 às 14:02
Otávio Frias Filho, que foi diretor de redação da Folha de S.Paulo. Foto: Reprodução/Globo

Otávio Frias Filho, que morreu hoje aos 61 anos, era uma contradição ambulante, compreensível para quem dirigia um jornal comprometido com as posições da elite, mas que, ao mesmo tempo,  procurava se diferenciar dela.

Foi um dos poucos veículos da grande (ou velha) imprensa onde não trabalhei. Na faculdade, fui selecionado para participar de um curso que a Folha oferecia aos recém-formados. Passei lá uma semana, e depois fui para o jornal O Estado de S. Paulo.

Meu pai, um arguto observador da imprensa, dizia que o Estadão era conservador, mas sincero.

Nos anos 80, a  Folha de S. Paulo era vista como progressista, por assumir a campanha pelas eleições diretas, mas tinha um passivo moral gigantesco, que ela escondia.

Como lembrou Fernando Morais num breve perfil que fez de Otávio, em abril, ao noticiar que o diretor de redação do jornal estava com câncer, a Folha apoiou o golpe militar, tanto editorial quanto materialmente.

É citada no relatório da Comissão da Verdade. Diz Morais:

Segundo o relatório final da Comissão da Verdade, a Folha de S.Paulo apoiou ideologicamente o golpe militar – inclusive cedeu algum de seus automóveis para ações repressivas. A Comissão usou como base para a denúncia o livro “Cães de guarda: jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988”, da pesquisadora Beatriz Kushnir, que afirma que “foi constatada a presença ativa do Grupo Folha no apoio à Oban, seja no apoio editorial explícito no noticiário do jornal Folha da Tarde, seja no uso de caminhonetes da Folha para o cerco e a captura de opositores do regime”. Em 1971, três caminhonetes da Folha foram queimadas por militantes de esquerda como forma de protesto.

Não sei se é lenda, mas sempre ouvi nas redações que Otávio, adolescente nesta época, ia para a escola protegido por agentes do DOPS, a polícia política do regime.

Começou na empresa do pai como assistente de Cláudio Abramo, diretor de redação, cargo que assumiria mais tarde, no lugar de Boris Casoy.

Ao longo da vida, parece ter se dividido entre a influência de Cláudio Abramo e os interesses do pai.

O que ouvi de amigos dele na Faculdade de Direito do Largo São Francisco é que tinha vocação para a política, e participava de um grupo que se opunha à esquerda nas disputas pelo Centro Acadêmico XI de Agosto, mas que também não se alinhava à direita.

Incentivou um amigo, Luiz Antônio Marrey Filho, nas disputas acadêmicas da faculdade, mas nunca esteve na linha de frente.

“Era um ideólogo, tipo Maquiavel. Ficava maquinando, mas nunca ia para a linha de frente”, conta uma amiga, que participou desse grupo.

Na direção de redação do jornal, o que sei dele é o que lia na Folha. E algumas passagens de bastidores.

Em sua memória, Fernando Henrique Cardoso o cita com irritação.

Em março de 1996, pediu a Paulo Renato, seu ministro da Educação, que procurasse Frias, pai de Otávio, para tentar mudar os rumos do jornal.

“Pedi que falasse com o Frias da Folha a respeito dos desatinos que o jornal vem publicando, me pondo um pouco como se eu fosse o Fujimori (Alberto Fujimori, ditador do Peru), numa atitude muito negativa, a partir especialmente do artigo do Otavinho Frias, que eu não li e não quero ler. De qualquer maneira, tem havido muita distorção nas coisas do governo através da Folha, que está numa sistemática que não é de oposição, mas de desmoralização”, escreve o ex-presidente.

O jornal publicou a reportagem mais dura sobre o governo de Fernando Henrique, a gravação feita por senhor X — hoje se sabe, graças a um livro de Palmério Doria,  que é Narciso Mendes, ex-deputado, que eu entrevistei no Acre.

Na gravação, deputados confessam que receberam dinheiro para votar a favor da emenda da reeleição e citam o envolvimento do ministro Sérgio Motta, sócio de Fernando Henrique.

Em um Roda Viva, Otávio Frias Filho admitiu sua admiração por Fernando Henrique Cardoso, o sociólogo, não o presidente, que ele achava natural que fosse alvo das reportagens contundentes da Folha.

E era natural mesmo.

Mas mesmo a contundência deve obedecer a um limite, não ultrapassar a linha que separa o jornalismo da campanha difamatória, a campanha de guerra.

A história vai julgar se, mais recentemente, essa linha não foi cruzada, quando o jornal esteve na trincheira que levou à retirada de Dilma Rousseff do poder.

Otávio se foi, e é natural que haja algum tipo de disputa interna para definir quem ocupará seu lugar.

Se, para alguns, Otávio Frias Filho não era o diretor de redação ideal para um Brasil civilizado, muito pior será se a Folha se reencontrar com as vozes de seu passado sombrio, em que emprestava veículos para a polícia política perseguir cidadãos considerados adversários do regime.