Pacheco e o Pito do Pango 2.0. Por Leonardo Grandini e Miguel Kupermann

Atualizado em 25 de setembro de 2023 às 11:47
Escravos negros enrolando fumo representados por Debret

 

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, apresentou nesta quinta-feira (14) uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que criminaliza o porte e a posse de substância ilícita em qualquer quantidade. A proposta precisa de 27 assinaturas (um terço dos senadores) para começar a tramitar, conforme o Regimento do Senado. O texto foi protocolado depois de Pacheco revelar em entrevista coletiva que o tema foi abordado na reunião de líderes na manhã desta quinta.

É lamentável, depois de tantos avanços na experiência internacional, vermos uma proposta de PEC do “Pito do Pango 2.0”, vinda de um Senador – branco e elitista – que ainda por cima se apresenta como advogado criminalista.

Decepciona, mas não surpreende. Afinal, a experiência brasileira sempre utilizou de “juristas” para validar as mais absurdas propostas legais. Decepciona ainda mais saber que um sujeito que atuou nas entranhas do sistema de justiça penal, conserve pensamento tão antiquado. O que é praxe na elite da advocacia (a julgar pelo voto – confuso – do Min. Zanin no RE 635.639).

A PEC, que acrescenta dispositivo ao artigo 5º da Constituição, estabelece que “a lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”.

É evidente o caráter racista da PEC do Presidente do Senado, que em pleno ano de 2023, tenta reciclar o que há de mais ultrapassado em matéria de legislação e política de drogas no mundo.

Assistindo aos avanços da pauta da Cannabis medicinal, vemos que essa proposta do Rodrigo Pacheco é muito similar a Lei do Pito do Pango de 1830, que criminaliza a cultura dos negros e ainda penalizava os escravos com três dias de cadeia por consumirem maconha, enquanto o vendedor do Boticário, branco e livre, recebia apenas uma pena de multa.

Rodrigo Pacheco de terno e gravata, falando em microfone e gesticulando
Rodrigo Pacheco – Reprodução

Corremos o risco de avançar em matéria da regulatória da pauta medicinal e, ao mesmo tempo, replicar a estrutura de aprisionamento dos corpos – já enraizada no legislativo e no judiciário – que seguirá a encarcerar a população mais vulnerável. Afinal, para setores da sociedade brasileira, a maconha já é legalizada, enquanto para outros, ainda representa um risco à própria liberdade e um obstáculo no acesso à saúde.

É essencial que na discussão regulatória da Cannabis, em matéria econômica, o Estado se preocupe em reparar social e economicamente àqueles que efetivamente sofreram com a guerra às drogas, àqueles que foram aprisionados ou mortos por “Pachecos” e “Zanins” que há séculos ocupam espaços de poder na República e promovem a perseguição às drogas, aos negros, aos pobres e à juventude.

Na justificativa, Pacheco ressalta que a saúde é direito de todos e dever do Estado, conforme prevê a Constituição, e destaca diversos dispositivos e normas legais que tratam da prevenção e do combate ao abuso de drogas, os quais configuram política pública essencial para a preservação da saúde dos brasileiros, já prevista, inclusive, pelo SUS. Ocorre que não há qualquer base científica para afirmar que prisão é medida adequada em matéria de saúde pública

O que o Excelentíssimo Presidente do Senado Federal desconhece, ou faz desconhecer, é o enorme número de encarceramento de meninos pretos de periferia que são presos todos dias por estarem portando  quantidades pífias de maconha.

E diante disso, questionamos: A política de encarceramento dos usuários surtiu algum efeito?Vem alcançando os grandes responsáveis pelo tráfico internacional de entorpecentes? A resposta é não.

A própria Lei 11.343/2006 buscou trazer uma “proteção” a figura do usuário, foi incapaz, e ainda é a principal contribuinte para o Brasil chegar em 2022 ao patamar recorde da população carcerária: 832 mil almas sem qualquer perspectiva de futuro.

Tamanha é a ignorância, que parece desconhecer o anúncio feito pelo nosso eternosenador, Eduardo Suplicy, durante Audiência Pública na Câmara dos Deputados, realizada na última terça-feira (19/09), de que, diante do diagnóstico de Parkinson, o tratamento com maconha vem salvando a sua vida.

O deputado de 82 anos, símbolo histórico da luta pela dignidade do povo brasileiro e pelos direitos humanos –  afirma que decidiu tornar público o uso da cannabis para o tratamento com o objetivo de ampliar o debate sobre a importância do uso terapêutico da cannabis medicinal para diversas doenças. Suplicy revelou que começou o tratamento convencional em fevereiro deste ano junto da terapia com cannabis medicinal.

Eduardo Suplicy, que usa a cannabis medicinal para tratamento de seu Mal de Parkinson. Reprodução

Suplicy que, aos 82 anos de idade, exerce o cargo de Deputado Estadual em São Paulo e que coordena, junto ao Deputado Caio França o projeto de distribuição de Cannabis Medicinal pelo SUS em São Paulo. A união dessas duas figuras que engrandecem a política nacional, um sempre pelo PT, e o outro pelo PSB, somente reforça o tamanho e a importância da pauta da maconha.

Esse debate já foi superado nos países desenvolvidos, e até mesmo no Brasil, que recebeu no último final de semana a ExpoCannabis que, em sua primeira edição o país já bateu os recordes mundiais de público.É de se lamentar que Senador pelo qual cultivamos respeito pense de forma tão retrógrada e defenda o que, na prática, resultará na prisão de quem está na ponta, e não dos amigos de faculdade de seus filhos que usam “ocasionalmente”.

Se insistir nessa PEC, o Senador já pode jogar fora seu currículo de “criminalista” e se juntar a turma de Osmar Terra e do mais estúpido negacionismo. O Brasil precisa de menos Pacheco e Zanin no poder, embora se considerem democráticos, suas posturas para com à política de drogas são um bom termômetro para avaliarmos o trabalho destes que deveriam nos representar.

Ao menos, o Presidente Lula tem a oportunidade, novamente, de indicar um nome à mais alta corte do país. Para aqueles que se dizem antiproibicionistas devemos, mais do que nunca, lutar para conseguirmos a indicação de uma ministra, mulher e negra que, certamente, independente de quem seja, trará mais justiça, humanidade e democracia ao tribunal que é encarregado, justamente, de promover justiça e defender a democracia em nosso país.

Miguel Kupermann

Graduando em direito na PUC-SP. Pesquisador na mesma instituição, membro dos grupos de pesquisa “Sistema de Justiça e Estado de Exceção” e “Sistema Penal Redutor”. Integrante da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas 9Rede Reforma) e membro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).

Leonardo Grandini

Graduando em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Comentarista político com passagem pela Jovem Pan News e Diário do Centro do Mundo. Dirigente partidário (PSB). Membro de grupos de estudo e de pesquisa em Penal e Processual Penal.

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