“Pacto pela democracia” sem revisão do golpe? Por Luis Felipe Miguel

Atualizado em 16 de junho de 2018 às 17:21
Dilma Rousseff. Foto: Divulgação/Facebook

POR LUIZ FELIPE MIGUEL, cientista político

Nem estava com ânimo de falar sobre o tal “pacto pela democracia”. Bate tristeza ver que tantas organizações com trajetórias em geral vinculadas à esquerda foram seduzidas por algo tão hipócrita. Eu me pergunto o que pessoas como Sâmia Bonfim e Eduardo Suplicy estavam fazendo no lançamento da coisa, junto de gente do PSDB, do Novo, do PPS, da Rede. Deve ser a velha tentação de mostrar que “sou de esquerda, mas sou limpinho”.

O que propõe o tal pacto? Só coisas boas. Diálogo, tolerância e “embate virtuoso de ideias no debate público”. “Eleições limpas, diversas e com ampla participação em outubro”. E uma reforma política “para sair da crise melhores do que antes, no rumo reafirmado da ética, da justiça e do desenvolvimento compartilhados”. Quem pode se dizer contra isso?

Nos “compromissos” específicos, o politico deve “disseminar o chamado à importância do voto” e o cidadão, zelar pelo combate às notícias falsas. E assim por diante. Mas a exaltação da “importância do voto” não se relaciona com a denúncia do golpe e a ojeriza às mentiras cabe perfeitamente no discurso da grande imprensa e não aponta para a necessidade de pluralização da mídia.

É isso. Lendo o manifesto, parece que a democracia está ameaçada pela intolerância, mas não foi fraturada por um golpe de Estado. Que a a bandeira das eleições limpas e diversas pode ser empunhada de forma abstrata, sem referência ao fato de que há um candidato encarcerado e proibido de concorrer. Que a democracia que o pacto quer proteger não tem nada a ver com os direitos sociais e o combate às desigualdades, sendo limitada a um conjunto de regras para a competição política, como quer o pensamento conservador. Que o monopólio dos meios de comunicação ou a enorme desigualdade material não são obstáculos à democracia. Que a “polarização” é o grande mal e que, para superá-la, precisamos encontrar um campo comum, mesmo que para chegar lá a maior parte de nossas bandeiras mais caras tenha que ficar pelo caminho.

Fica evidente quais são as ameaças à democracia que o pacto deseja combater: Bolsonaro e a intervenção militar. O pacto é uma expressão clara da instrumentalização da ameaça da extrema-direita por parte da direita não tão extrema, como se não tivesse sido ela, a direita light, quem abriu espaço para o crescimento da direita raivosa, na hora em que era de seu interesse.

Somos constrangidos a defender a “democracia” nestes termos, aceitando o golpe, os retrocessos e o desfiguramento da Constituição de 1988, sempre para evitar o mal maior (Bolsonaro, intervenção militar). Voltamos à velha teoria de que é melhor se contentar com pouco, bem pouco, para que este pouco seja seguro. Mesmo que este pouco seja cada vez menos e mostre que nunca é tão seguro assim.

Do “pacto pela democracia” da Neca Setúbal ao “manifesto pelo novo centro” de FHC é só um passo. Melhor garantir logo a vitória de Alckmin ou de Marina, para não correr riscos, não é mesmo?