Padre que conseguiu HC para interromper aborto legal indenizará mãe em R$ 400 mil

Atualizado em 17 de outubro de 2020 às 20:54
Aborto

Publicado originalmente no Migalhas:

Em agosto deste ano, chegou ao fim um litígio que teve início em 2005, quando um padre conseguiu na Justiça a interrupção de procedimento abortivo de feto que não sobreviveria fora do útero.

Por ter avançado sobre direito alheio, o padre deverá pagar mais de R$ 400 mil por dano moral. A decisão de mérito foi da 3ª turma do STJ, em 2016, e transitou em julgado no STF neste ano.

À TV Migalhas, Luciana Rosario, uma das advogadas que atuou no caso, comentou a importância da decisão do STJ.

No hospital

Em 2005, a mulher descobriu que gestava um feto com síndrome de body stalk, problema que impossibilita a vida extrauterina.

Mesmo tendo conseguido autorização judicial para realizar o aborto, um padre ingressou na Justiça para impedir o procedimento. Entenda a ordem dos acontecimentos:

Na Justiça

Na Justiça, os pais pediram a compensação por danos morais, alegando que houve uso abusivo do direito de ação.

O pedido foi negado tanto em 1º quanto em 2º graus. O Tribunal estadual entendeu que a propositura de habeas corpus pelo padre visando a suspensão de procedimento de antecipação de parto não configura abuso do direito de ação, “vez que o caso da gestante não está previsto como causa de excludente de ilicitude pelo Código Penal ou mesmo por construção jurisprudencial”.

O entendimento, no entanto, foi diverso no STJ. O caso foi relatado pela ministra Nancy Andrighi em 2016. Naquela ocasião, a ministra frisou o sofrimento do casal “- e não canso de repetir, principalmente o da gestante” foi potencializado pelo forte estresse sofrido pela situação e que “ao final, ainda teve que providenciar o registro de nascimento/óbito e o enterro da criança, que como previsto, veio a óbito logo após o nascimento”, registrou.

“É dizer: o incalculável sofrimento e angustia da mãe, autorizam, por si só, a interrupção da gravidez.”

Nancy Andrighi salientou que cabia a mulher, e só a ela, dizer se deveria ou não interromper a gestação, diante de sua realidade emocional, da fé que professava, ou não professava, das expectativas que nutria, ou diante daquelas que deixara de alimentar.

Segundo a ministra, o padre tocou, com dano, espaço reservado à liberdade de outros e, ainda, utilizou-se de um direito próprio – direito de ação – para impor, aos recorrentes, estigma emocional que os acompanhará perenemente.

Em 2016, acompanhando o voto de Nancy Andrighi, a turma condenou o padre em R$ 60 mil por danos morais, corrigidos monetariamente e com a incidência de juros de mora contados a partir do dia que Tatielle deixou o hospital.

STF e trânsito em julgado

Juntamente à interposição do recurso especial no STJ, a defesa da mulher também acionou o STF. O ministro Dias Toffoli, relator, verificou que o recurso especial interposto simultaneamente ao recurso extraordinário foi provido pelo STJ, que atendeu a pretensão da parte recorrente.

“O apelo extremo, portanto, está prejudicado, tendo em vista a perda superveniente de seu objeto, decorrente da substituição do julgado.”

A ação transitou em julgado em 18/8/20. Agora, as advogadas do caso pedem o cumprimento da sentença, no valor de R$ 400.264,96 – sendo R$ 363.877,24 da condenação e R$ 36.387,72 de honorários, que serão doados à mulher.

O caso contou com a atuação do Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, por meio da atuação pro bono das advogadas Luciana Rosario, Gabriela Rondon, Carla Ferreira Lopes da Silva Queiroz, Janaína Penalva, Sinara Gumieri, Vitória Buzzi e dos advogados Alexandre Prudente Marques e Leonardo Lage.