Palocci e o depoimento que não vale o sapato mal engraxado do procurador. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 10 de setembro de 2018 às 23:34
A perna de Palocci e de outros os dois.

Dois pares de sapato, uma coxa saltitante. Esta é a imagem que aparece nas imagens em que se destaca a voz do ex-ministro Antônio Palocci, na edição desta segunda-feira, 10 de setembro, do Jornal Nacional.

A imagem é tão grotesca quanto as acusações que Palocci faz, e a Globo divulga, sem nenhuma comprovação do que é dito por ele.

William Bonner chama a reportagem:

“O ex-ministro de governos petistas Antônio Palocci, delator da Lava Jato, prestou um novo depoimento ao Ministério Público e disse que o ex-presidente Lula, em alguns casos, cuidou diretamente do pedido de propina”.

A reportagem, segundo Bonner, é de três repórteres, Vladimir Netto, Camila Bonfim e Cláudia Bomtempo, dura quase quatro minutos e, quando termina, deixa a sensação no leitor mais crítico de que a matéria não vale o sapato mal engraxado de um dos procuradores.

Um deles gagueja quando Palocci, usando uma frase de efeito, diz que a descoberta do pré-sal se tornou o motivo de um “delírio político no âmbito governamental”.

“O presidente Lula começa então a se descuidar da parte legal de sua atuação como presidente e passa a atuar diretamente no pedido de propina”, afirmou.

Se fosse uma empresa de jornalismo, só esta frase já seria o suficiente para jogar o VT no lixo ou fazer algum tipo de apuração que comprovasse a fala de Palocci, de extrema gravidade.

Gaguejando, o procurador faz uma colocação:

“A partir do pré-sal é que ele tem uma, uma…atu… mas ele é…”

Palocci socorre o interrogador:

“Ele sempre soube que tinha ilícito, sempre apoiou as iniciativas de financiamento ilícito de campanha, mas no caso do pré-sal ele passa a ter uma atuação pessoal”.

Em jornalismo, as perguntas básicas são “o que, quando, onde, por que e como”.

Palocci não dá nenhuma resposta concreta, e uma das três autoras da reportagem segue na narração:

“Palocci disse que Lula também atuou na negociação de compra de caças para as forças armadas.”

E, com foco numa perna, ouve-se o ex-ministro dizer:

“O presidente chegou a assinar o protocolo, um contrato com o presidente francês, Nicolas Sarkozy, uma iniciativa completamente inadequada, porque isso estava sendo conduzido tecnicamente pela área de defesa, que se viu atropelada por ambos o presidentes, da França e do Brasil, e isso gerou todo tipo de propina”.

Na sequência, a própria repórter dá uma informação que desmente Palocci:

“O governo brasileiro acabou fechando negócio dos caças com a Suécia”.

Ora, pela narrativa de Palocci, Lula recebeu propina da França, mas comprou caças da Suécia.

Não faz sentido.

Na sequência, o ex-ministro joga lama no ex-presidente com a acusação de que Lula pediu propina na  construção da usina de Belo Monte.

Provas?

Nenhuma.

Chama atenção ainda que o depoimento foi prestado no dia 26 de junho, por investidores da operação Greenfield, que apura irregularidades em fundos de pensão.

Mas só agora, no meio da campanha eleitoral, é divulgada. E pior: sem uma prova que corrobore o depoimento.

Em dois meses e meio, os procuradores não podiam encontrar uma mísera prova que fosse? Ou um fiapo de prova?

É o tipo de vazamento que exala o mau cheiro de tentativa de manipulação eleitoral. Fraude.

Os procuradores conversam com Palocci há bastante tempo e, se quisessem ouvir dele denúncias mais facilmente comprováveis, teriam prato cheio.

Mas aí não conseguiriam espaço na Globo.

É que, alguns meses depois de ser preso, ele começou a manifestar interesse de fazer a delação e sair da cadeia.

Numa das primeiras conversas com os procuradores, ele citou algumas empresas que poderiam ser implicadas com sua colaboração.

Quando citou a Globo, a reunião acabou.

É que Palocci teria dito que conduziu uma operação de conversão de uma dívida da Globo em dólar que significou uma economia bilionária para a empresa.

Palocci voltou a insistir neste tema num depoimento a Sergio Moro, conforme gravação que se tornou pública.

“Empresas de comunicação tiveram problemas sérios neste período, inclusive algumas empresas declarando default nos seus compromissos”, disse.

Moro mudou de assunto, conforme se pode ver no vídeo abaixo.

Mais tarde, o ex-ministro voltou a prestar depoimento e já não citou as empresas de comunicação. Foi um escandaloso recuo de Palocci.

Em vez da Globo e de outras grandes empresas, ele soltou uma frase de efeito, para tentar manchar Lula, aquela segundo a qual o ex-presidente e Emílio Odebrecht teriam feito um “pacto de sangue”.

Provas? Nenhuma.

Mas quem precisa de provas diante de investigadores e juízes que têm alvos definidos?

É só entregar o que pedem e esperar pela recompensa.

Palocci, por exemplo, negociou com a Polícia Federal, em outra delação, ficar com 30 milhões de reais dos 60 que foram bloqueados.

Além disso, claro, espera ir para casa, onde usará tornozeleira por algum tempo.

Não muito.

Afinal, Palocci tem um ativo que se acredita ter valor em tempo de eleição: uma língua a serviço de quem quer transformar processo judicial em discurso de campanha.

Os procuradores dão a senha, Palocci fala, a Globo propaga. Tudo com aparência de que o Brasil está sendo passado a limpo, refundado.

Nada mais falso.

Nestas delações, sobram adjetivos, faltam substantivos.

Uma vergonha.

Mas, para muitos, de que vale a vergonha num tempo de caça.

Não tem dado certo, mas eles insistem.