Para colaborar com nosso novo projeto de crowdfunding sobre as aventuras de Carlos Alberto Filgueiras, dono do hotel Emiliano e amigo de Teori Zavascki, clique aqui.
O documentário que o DCM coloca no ar é o resultado de reportagens que realizei em São Paulo e no Acre, e entrevistas que fiz com os principais personagens envolvidos no escândalo da compra de votos no Congresso Nacional para mudar a Constituição e permitir a reeleição de Fernando Henrique Cardoso. Trabalho que foi patrocinado pelos leitores do DCM, através um projeto de crowndfunding.
No documentário, se vê pela primeira vez uma entrevista em vídeo do empresário Narciso Mendes, ex-deputado federal, autor das gravações em que dois parlamentares confessaram terem recebido propina para votar a favor da emenda.
Narciso, apresentado à época como Senhor X, teve sua identidade oculta até 2013, quando o jornalista e escritor Palmério Dória, autor do livro “O Príncipe da Privataria”, quebrou um segredo de polichinelo e o entrevistou. Mas não havia até agora depoimento de Narciso em vídeo.
Narciso confirma as gravações e, com a experiência de quem exerceu dois mandatos na Câmara dos Deputados e acompanhou outros dois mandatos da mulher, diz que o governo de Fernando Henrique Cardoso comprou algumas centenas de votos para alterar a Constituição.
No curso da reportagem, solicitei entrevista ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em contato documentado com a chefe de gabinete da Fundação que leva o nome do ex-presidente, Helena Maria Gasparian.
Helena Maria foi informada do teor da reportagem e ficou de agendar uma entrevista, o que nunca aconteceu.
No segundo volume do seu livro Diários da Presidência, Fernando Henrique Cardoso falou sobre o escândalo e admitiu ter havido compra de votos, mas por iniciativa de governadores interessados na aprovação da emenda da reeleição.
É uma versão que não se confirma pelos fatos. Um governador citado na compra de votos, Orleir Cameli, do Acre, nem concorreu à reeleição.
O que o documentário do DCM mostra é que, nem de longe, a compra de votos se limitou ao Acre. Ao tentar, em seu livro, circunscrever a corrupção a um Estado na fronteira do Brasil com o Peru, jogando para longe do Palácio do Planalto, Fernando Henrique não contava com duas outras revelações de bastidores sobre o episódio.
O senador Pedro Simon, com quase 40 anos de experiência no Congresso Nacional, diz não ter dúvida sobre o balcão de negócios em que se transformou a aprovação da emenda.
O ex-deputado Pedro Corrêa, que foi da base de Fernando Henrique e hoje está preso na Operação Lava Jato, contou em delação premiada que o banqueiro Olavo Setúbal, do Banco Itaú, estava presente no Congresso Nacional e entregou aos deputados que votaram a favor da emenda um papelzinho em que autorizava os parlamentares a pegar dinheiro de propina com um doleiro de Brasília.
Quando esse ponto da delação de Pedro Correa se tornou público, houve desmentidos, mas, involuntariamente, Fernando Henrique divulgou uma informação que robustece a denúncia.
Está no seu Diário — em que publica os registros em gravador que fez regularmente de seu período na presidência. Fernando Henrique conta que Olavo Setúbal estava em Brasília no dia da votação da emenda. E, de certa forma, preocupado:
“Olavo Setúbal e outros mais estavam bastante agradados pela maneira como fui ao Itamaraty, sem maiores preocupações, disseram que era espantoso eu não estar tenso nem estar só por conta da reeleição naquele dia.”
As denúncias da compra de votos para a aprovação da emenda da reeleição nunca foram seriamente investigadas. Nem antes. Nem agora com a delação de Pedro Correa.
Os bastidores desse episódio mostram em ação políticos que estão na linha de frente do golpe de 2016. Os que conspiraram e agiram para tirar Dilma Rousseff da Presidência da República, eleita com mais de 54 milhões de votos, são os mesmos que, vinte anos atrás, trabalharam pela aprovação da emenda e impediram a investigação aprofundada dos fatos.
Um deles é Michel Temer, que juntamente com Geddel Vieira Lima e Eliseu Padilha, mobilizou o PMDB para, primeiro, colocar a emenda em votação, e depois, quando estourou o escândalo da compra de votos, impedir a instalação de uma CPI.
Michel Temer se tornou presidente da Câmara dos Deputados, alavancando uma até então discreta carreira política, Eliseu Padilha foi nomeado ministro dos Transportes e Geddel, líder do PMDB e, conforme consta de várias delações premiadas, o homem que desde aquela época faz a ponte entre empreiteiros e o Poder Público, garantido o acesso deles aos cofres públicos.
O documentário sobre a compra de votos na emenda da reeleição é uma nova oportunidade para o debate aprofundado sobre corrupção política. Um debate sério, não de ocasião ou oportunismo, feito apenas como pretexto para um golpe de Estado.