‘Para governar é preciso se aproveitar dos vícios dos homens, e não de suas virtudes’. Por Camila Nogueira

Atualizado em 17 de julho de 2015 às 21:04
“Você não argumenta com intelectuais – você os fuzila.”

Napoleão Bonaparte, o novo convidado ilustre de nossas “Conversas com Celebridades Mortas”, foi visto, de acordo com uma de suas biógrafas, Evangeline Bruce, alternadamente como o filho da Revolução, o pregador de uma Europa unificada ou o ditador expansionista arquetípico. As frases contidas no texto foram tiradas, em sua grande maioria, das Memórias que escreveu na Ilha de Santa Helena.

Imperador Bonaparte, é um prazer falar com o senhor. Sua fama é impressionante – grande homem, estrategista hábil, exímio general. O senhor com certeza se orgulha disso.

Fico bastante satisfeito, considerando no entanto que a história não passa de um conjunto de mentiras sobre as quais se chegou a um acordo. De qualquer modo, minha cara, devo dizer que me orgulho. É melhor não ter nascido do que viver sem glória. Devo expressar meu agradecimento ao povo francês, tendo em vista que a altura de um soberano depende da altura de seu povo.

No início de sua ascensão política, sua pretensão já era se tornar Imperador?

No início da minha ascensão, durante o Consulado, meus amigos verdadeiros e partidários entusiastas perguntavam-me frequentemente, com a melhor das intenções e como um guia para as suas próprias condutas, o que eu pretendia fazer futuramente e para qual ponto me dirigia. Sempre respondi que não sabia. E isso era verdade. Eu não era o mestre de minha própria ação. Jamais fui estúpido o suficiente para tentar ajustar os eventos em conformidade ao meu sistema. Ao contrário, moldei meu sistema de acordo com a sucessão imprevista de eventos. Não tenho força de vontade. Quanto mais grandioso o homem, menor é a força de vontade da qual ele precisa; ele é governado pelos eventos e circunstâncias.

Seu principal objetivo era conquistar a Europa, não é mesmo?

Prefiro que digam que meu principal objetivo era unificar a Europa. Resumidamente – Um código civil pan-europeu; um sistema judiciário pan-europeu; moeda corrente… Toda a população da Europa se tornaria parte de uma mesma família e todos os homens, ao viajarem para o exterior, se sentiriam em casa.

Como eu já disse, o senhor foi um estrategista e general consagrado, tão forte que foi preciso quase que da Europa inteira para destruí-lo. O senhor aprendeu algo de valor nas inúmeras batalhas que lutou?

A guerra é uma arte estranha: eu lutei em sessenta batalhas importantes e não aprendi nada além do que já sabia inicialmente.

Por exemplo…

Há quatro pontos principais. O primeiro é que, para fazer uma guerra, são necessárias três coisas: Dinheiro, dinheiro e dinheiro. Depois, nunca interrompa um inimigo quando ele estiver cometendo um erro. Outra coisa é que nada é mais difícil – portanto nada é mais precioso – do que saber decidir. Por fim, a habilidade é de pouca importância quando não se tem a oportunidade.

O senhor poderia explicar o último item, por obséquio?

É claro. Eu fui, como a senhorita mesma disse, um grande general. E, como tal, percebi que existem apenas duas espécies de plano de batalha: os bons e os maus. Os bons falham quase sempre, devido a circunstâncias imprevistas que muitas vezes fazem com que os maus sejam bem-sucedidos. É por isso que não é sempre que a habilidade ganha uma guerra.

Quais são, meu caro senhor, as qualidades necessárias para formar um general de primeira linha?

É igualmente difícil e raro encontrar uma combinação de todas as qualidades que formam um grande general. A combinação mais desejável é o equilíbrio entre estas qualidades: Inteligência, talento, caráter e valentia.

E o senhor possuía todas essas qualidades.

Foi um grande mérito da minha parte. [sorri, lisonjeado]

Elas o ajudaram a se tornar Imperador, não é mesmo?

Naturalmente. Um líder é um negociante de esperanças. Eu dei esperança ao povo francês e fui aclamado como líder. Depois da Revolução, a França precisava de paz. Mas a paz é uma palavra vazia de sentido – o que precisávamos era de uma paz gloriosa.

É claro…

A verdade é que, para governar, é necessário se aproveitar dos vícios dos homens, não de suas virtudes. A multidão procura o líder não apenas pela causa a qual este serve, mas por causa de sua influência – e o líder vai recebê-los por vaidade ou necessidade.

Isso é bom ou ruim?

Para o líder? Não sei dizer. A verdade é que do sublime ao ridículo não há mais do que um passo. A população que o aclamou pode desejar linchá-lo dentro de alguns meses. A glória é fugaz, mas a obscuridade dura para sempre.

Por curiosidade, Imperador, quais foram suas preferências literárias?

Meu romance favorito é Paulo e Virgínia, de Bernardin de St. Pierre. Acima de mais nada, li Jean-Jacques Rousseau. Antes de completar dezesseis anos, eu teria lutado até a morte por ele.

E depois dos dezesseis?

Passei a desprezá-lo. Afinal, ele ajudou a criar a Revolução.

Então sem Rousseau o senhor não teria feito o que fez.

Também não está claro se foi bom para a França que eu tenha nascido.

Hmmm… Mudando de assunto, o senhor nunca foi muito fã da imprensa, não é?

Três jornais me assustam mais do que cem baionetas. Tenho um lema muito útil a respeito disso: Você não argumenta com intelectuais. Você os fuzila.

Doce lema. Muito bem, vamos finalizar. Eu o parabenizo, Imperador, por todos os seus feitos políticos, culturais etc.

Muito obrigado. Acho que mereço e ao mesmo tempo não mereço esse seu elogio. Para falar a verdade, Alexandre, César, Carlos Magno e eu fundamos Impérios grandiosos. Mas à base do que o fizemos? Em que base repousou a criação de nossos gênios? A partir da força. Cristo fundou o seu Império a partir do amor – e até hoje milhões de homens morreriam por ele. Isso é porque existem duas forças nesse mundo: O espírito e a espada. Mas no final o espírito sempre supera a espada.

O senhor mencionou Jesus Cristo; o senhor era cristão?

Não, não. Seu eu tivesse que escolher alguma religião para seguir, o Sol como fonte de vida universal seria o meu Deus. Mas, embora eu jamais tenha abraçado o cristianismo, aprecio muito a Bíblia.

Por que?

Porque ela não é um livro qualquer, e sim uma criatura viva com um poder que conquista tudo que se opõe a ela. Que felicidade a Bíblia proporciona àqueles que nela acreditam! Que belas e admiráveis maravilhas admiram aqueles que sobre ela refletem!

Algo a acrescentar, Imperador?

De modo geral, eu diria que uma sociedade sem religião é como um navio sem bússula. Eu mesmo já pensei em fundar uma nova religião – mas, para isso, é necessário morrer e ressuscitar algum tempo depois. Eu não desejava morrer e sabia muito bem que não ressuscitaria, de modo que é preferível deixar o martírio a Cristo.