Para inocentar Júlio Cocielo de racismo, juiz que foi acusado de vender penhoras cita Lula em sentença

Atualizado em 10 de julho de 2021 às 9:38
O juiz Caramuru Afonso Francisco

A Justiça definiu nesta semana como improcedente a acusação do Ministério Público do Estado de São Paulo contra o youtuber Júlio Cocielo. Em setembro de 2020, o influenciador se tornou réu acusado de racismo após comentários feitos nas redes sociais durante a Copa do Mundo de 2018.

O juiz Caramuru Afonso Francisco afirmou em sua decisão que Cocielo “não agiu com dolo” e “não é racista nem jamais defendeu o supremacismo racial”.

De forma surpreendente, ele ainda citou o ex-presidente Lula na argumentação para inocentar o influencer.

“Quando se verifica o requerido, é inegável que ele não se enquadra no fenótipo da ‘gente branca, de olhos azuis’, como certa vez mencionou o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando trouxe bem a ideia que perpassa toda a discussão a respeito do racismo, em que se considera que há um grupo dito ‘superior’, que teria ‘supremacia’, os ‘brancos’ e o grupo dito ‘inferior’, que seriam os ‘negros’”, diz trecho do documento.

A menção do juiz se refere a afirmação de Lula em 2009, quando ainda era presidente, em encontro com o então primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, e criticou países ricos pela crise econômica de 2008.

Na ocasião, o presidente ressaltou que os mais pobres eram os que estavam sendo prejudicados e disse que a crise era causada por “gente branca e de olhos azuis”.

Ao ser criticado por parte da mídia, o então presidente explicou o contexto de sua afirmação. “Não existe nenhum viés ideológico. Existe a constatação de um fato. Acompanhando os índices econômicos e de desemprego, o que percebemos é que, mais uma vez, grande parte dos pobres do mundo, que ainda não estavam sequer participando do desenvolvimento causado pela globalização, são as primeiras vítimas. Vejo o preconceito que se estabelece contra imigrantes nos países mais desenvolvidos”, comentou ele na época.

Lula não tem qualquer envolvimento com o caso Cocielo, mas o magistrado fez questão de mencioná-lo sem motivo aparente.

Terrivelmente evangélico, o juiz Caramuru Afonso Francisco usa suas redes sociais para fazer postagens de cultos e pregações, e chegou a ser afastado de suas funções no Tribunal de Justiça em 2001 ao ser acusado de vender objetos penhorados de devedores da prefeitura de Salto (SP).

Em 2008, foi colocado em disponibilidade por decisão do TJ-SP, sendo que tentou retornar ao trabalho, mas o órgão de Justiça entendeu que o seu reaproveitamento não atendia ao interesse público. Afonso só voltou ao cargo de juiz no ano passado.

Em junho de 2018, durante a Copa do Mundo, Cocielo usou o Twitter e fez um comentário considerado racista em relação ao jogador Kylian Mbappé, da seleção da França. “Conseguiria fazer arrastões top na praia”, afirmou o influencer, perdendo vários seguidores, contratos de patrocinadores e recebendo críticas de diversos famosos, incluindo Bruno Gagliasso.

Os promotores sustentam que ao menos desde 2010 Cocielo tem feito “sistematicamente feito ‘piadas’ racistas, reforçando, assim, estereótipos cuja repetição contínua e criativa reforça o racismo da sociedade brasileira”.

Em dezembro de 2013, Cocielo escreveu: “gritei VAI MACACA pela janela e a vizinha negra bateu no portão de casa pra me dar bronca”.

Com toda a repercussão, Julio gravou um vídeo se desculpando com o público e ficou um período afastado das redes sociais. “Fiz um comentário muito zoado. Muito mal explicado”, comentou na época.

Porém, a promotora Cristiana Steiner entendeu que “Cocielo praticou e incitou a discriminação e preconceito de cor por meio de comentários publicados em seu perfil no Twitter” e apresentou denúncia contra ele. Cristiana também buscou tuítes antigos do youtuber em que há comentários racistas. Ela pediu indenização de R$ 7 milhões por contado suposto crime,

“O Brasil seria mais lindo se não houvesse frescura com piadas racistas. Mas já que é proibido, a única solução é exterminar os negros”, chegou a escrever Julio. Apesar disso, o magistrado que já foi afastado trabalho por acusação de venda de objetos penhorados afirmou que não houve racismo. A decisão cabe recurso.

Cocielo e Neymar