Para justificar flexibilização, Doria esconde aumento de 42% em internações

Atualizado em 13 de junho de 2020 às 14:14

Por Rodrigo Gomes, da Rede Brasil Atual

O número de internações de pessoas por casos suspeitos ou confirmados de covid-19 vem crescendo gravemente em São Paulo. Embora o governo de João Doria (PSDB) justifique que foram abertos novos leitos e a ocupação de Unidades de Terapia Intensiva (UTI) tenha caído, o número de novas internações subiu 42% em menos de um mês. O que indica que o argumento de estabilidade da pandemia é frágil. Na avaliação de médicos infectologistas, não há controle da pandemia no estado e a situação pode se agravar com a reabertura do comércio iniciada nos últimos dias.

No dia 19 de maio, o então coordenador do Centro de Contingência do Coronavírus de São Paulo, Dimas Tadeu Covas, declarou que, em virtude da baixa adesão ao isolamento social e ao aumento de casos e mortes, o estado estava “perdendo a batalha contra o vírus”. Naquele dia, havia 9.500 internações devido à covid-19 em SP, sendo 3.659 em UTI e 5.902 em enfermaria. A taxa de ocupação dos leitos de UTI era de 71,4% no Estado de São Paulo e 88% na Grande São Paulo.

Uma semana depois, o discurso mudou e teve início o processo de implementação do Plano São Paulo, que coordena a flexibilização da quarentena e a reabertura do comércio e dos serviços no estado. A principal justificativa é que o número de novos casos e novas mortes havia se estabilizado, bem como a ocupação de leitos de UTI havia caído. No entanto, essa queda se deveu a abertura de novos leitos, tanto de terapia intensiva, quanto de enfermaria. E não a uma redução na demanda de internações por causa da covid-19.

Essa demanda, inclusive, vem aumentando desde então. Dados divulgados nesta quinta-feira (11) pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo mostram que há 13.496 internações por covid-19 em São Paulo, sendo 8.085 em enfermaria e 5.211 em unidades de terapia intensiva. Um aumento de 42%, ou 3.996 pacientes novos pacientes internados. Apesar desse aumento, a ocupação dos leitos de UTI está em 69,4% no estado e 77% na Grande São Paulo. Taxa influenciada pelo aumento no número de leitos disponíveis que foi de 3.500, no início da pandemia, para pouco mais de 7 mil atualmente.

No mesmo período, o número de casos mais que dobrou, indo de 65.995, no dia 19 de maio, para 162.520 ontem. E o número de mortes confirmadas quase dobrou, indo de 5.147 para 10.145.

As diretrizes para flexibilização também foram alteradas. Em vez de queda no número de casos, adesão ao isolamento de 55% ou maior e ocupação de UTI em no máximo 60%, o governo paulista criou um sistema sob medida para justificar a abertura. Dentre os novos critérios estão o número de leitos de UTI por 100 mil habitantes, as variações semanais de novos casos, novas mortes e novas internações, além do percentual de ocupação das UTI, que passou a ter quatro níveis, de acordo com Plano São Paulo: acima de 80% (alerta máximo); entre 70% e 80% (controle); entre 60% e 70% (flexibilização) e abaixo de 60% (abertura parcial).

“Ninguém ficou, nem ficará sem atendimento no Estado de São Paulo. Todo sistema de saúde do Estado está absolutamente sob controle desde o início da pandemia. Uma medida positiva que nos tem permitido controlar o avanço da doença de forma correta e dentro dos protocolos de saúde”, afirmou Doria, no anúncio da implementação do Plano São Paulo.

ara a médica infectologista Juliana Salles, o governo paulista não está agindo para conter a disseminação, mas para responder ao aumento do número infecções. “Em todos os locais só se iniciou a volta às atividades quando se atingiu uma diminuição sustentada do número de casos. E essa seria a lógica. Aqui a gente está em um aumento sustentado. Todo dia aumenta e a gente abre o comércio porque a taxa de ocupação de UTI está menor. Não faz sentido. Ter que ser conjugadas as duas coisas. Parece haver um interesse em ocupar os leitos que eles criaram. Não importa se tem leitos vazios. Deveria ter sido assim desde o começo, sempre ter leitos disponíveis”, disse.

Gerson Salvador, que também é médico infectologista, avalia que a decisão do governo Doria “foi política e não técnica”. Ele ressaltou que São Paulo realmente tem um número relativamente constante de novos casos, mas que a taxa de reprodução da infecção – o número de pessoas que cada pessoa infectada contamina – ainda é superior a 1 no estado, que não temos uma ampla aplicação de testes, nem rastreamento dos contatos com pessoas infectadas e nem locais de isolamento para quem não tem condições de fazer isso em casa.

“O governador toma uma decisão política e, dadas essas condições, há uma chance muito grande de recrudescer a pandemia e a gente ver novas ondas a partir dessa medida”, afirmou Salvador.

Ontem (11), Dimas Covas, que deixou a coordenação do comitê dias depois do anúncio de flexibilização, disse em uma live com pesquisadores que “vai acontecer o pior”. “Nenhum especialista, nenhum infectologista, nenhum epidemiologista fala que você pode sair (da quarentena) com curva em ascensão. E, no estado de São Paulo, nós não temos nenhuma curva em descensão. Vai acontecer, na minha visão, o pior. Vão perceber que as UTI vão ficar lotadas, vão ter sobrecarga e vão ter que tomar algumas medidas. Talvez a gente aprenda pela forma mais dolorosa”, disse.