Para Lula governar, primeira reforma tem que ser política. Por Helena Chagas

Atualizado em 4 de julho de 2022 às 18:32
Lula e Congresso Nacional (Foto: ABr | Reprodução)

Mudar as regras do jogo diante da perspectiva de vitória do adversário sempre foi um recursos comum das republiquetas de bananas e de regimes autoritários travestidos de democracias. Já tivemos por aqui a figura do senador biônico para assegurar maiorias no Legislativo, governadores nomeados por assembléias legislativas e colégios eleitorais congressuais que elegeram generais presidentes – e eram fechados quando não obedeciam a suas ordens.

Acreditávamos, quase trinta anos após o fim da ditadura, que tínhamos democracia consolidada e isso era coisa do passado. Não é, e não apenas porque temos um capitão-presidente que faz ameaças golpistas diárias. Essas, ao que tudo indica, podemos colocar no campo das bravatas. O comportamento de instituições como o Poder Legislativo, por incrível que pareça, é que nos está fazendo lembrar desses tempos obscuros.

Ao triturar, com a PEC Kamikaze, a lei eleitoral que tem como objetivo resguardar o princípio constitucional da isonomia entre candidatos – um pilar da democracia -, tirar do nada um injustificável estado de emergência e, com isso, permitir que o presidente candidato quase derrotado injete R$ 40 bilhões na veia do eleitor, o Senado Federal parece ter recuado à era dos casuísmos que considerávamos extintos. Não estará sozinho, porque em poucos dias a Câmara dos Deputados fará o mesmo.

Isso não surgiu de repente, embora seja hoje o sinal mais visível do esgarçamento das instituições da democracia – aquelas que, lembram?, em outros tempos tiveram papel decisivo para acabar com a ditadura. O Legislativo acabou degradado ao nível máximo pelo governo de Jair Bolsonaro, eleito pela farsa da Lava Jato, depois do impeachment de uma presidente que não praticou qualquer crime.

É possível que encontremos na farsa das “pedaladas” que deu base à cassação de Dilma a origem de toda essa bagunça institucional, agravada por um presidente absolutamente despreparado, que entregou o poder de bandeja a um Congresso cujo princípio maior é a ambição de seus dirigentes. Comprar votos com emendas secretas, mudar a Constituição em uma semana, em votações remotas, passaram a ser comportamentos comuns e aceitos.

O resultado de tudo isso não será uma suposta vitória de Jair Bolsonaro com base nas benesses que ganhou de mão beijada do Congresso. Segundo especialistas em pesquisas, o impacto desse trambique será modesto, e tudo indica que o ex-presidente Lula continuará da liderança da disputa.

Mas é preciso indagar se, no meio desse desmantelamento, gradual mas constante, das instituições da democracia, Lula ou qualquer outro conseguirá governar. Com o orçamento secreto e outros vícios adquiridos pelas instituições – e, além do Congresso, devemos incluir o Judiciário, a PGR, a PF e outras – , nem Jesus Cristo governaria o Brasil hoje.

É por isso que Lula, sua base de apoio e a própria sociedade precisam aproveitar a mobilização popular da eleição para, se eleito, promover uma reforma que devolva cada um dos Poderes à sua casinha. Alguns chamam de reforma política, outros, talvez mais acertadamente, de repactuação institucional. O fato é que, sem isso, ninguém governa mais essa bagunça.

Publicado originalmente no site Jornalistas pela Democracia

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