Alguns dias depois da segunda maior apreensão de drogas no Espírito Santo, o juiz federal Marcus Vinícius Figueiredo de Oliveira Costa recebeu em seu gabinete o agente da Polícia Federal Rafael Pacheco. Ele estava acompanhado de dois homens que falavam português com sotaque.
Apresentaram-se ao juiz como agentes da DEA – a agência antidrogas americana. Os investigadores estrangeiros queriam saber o local do pouso do helicóptero que trouxe de Pedro Juan Caballero, no Paraguai, pelo menos 445 quilos de pasta base de cocaína. O local do pouso estava registrado no GPS da aeronave.
A conversa era informal e se alongou. Os agentes da DEA contaram ao juiz que, assim como o México é a rota da droga para os Estados Unidos, o Brasil se transformou no principal corredor da cocaína exportada para a Europa.
Os números oficiais confirmam essa informação. Segundo o Relatório Mundial sobre Drogas, divulgado semana passada pela Organização das Nações Unidas, a polícia na Europa apreende cada vez mais droga embarcada no Brasil.
Em 2005, foram 25 apreensões (ou 339 quilos). Esse número saltou para 260 (uma tonelada e meia) em 2009. Para cada apreensão de droga, há uma estimativa de que outras dez passem longe da vigilância policial.
É um negócio altamente rentável, como mostra a investigação da Polícia Federal no caso da droga apreendida em Afonso Cláudio, no Espírito Santo.
Numa troca de mensagens encontrada no celular do piloto da família Perrella, Rogério Antunes Almeida, ele conta o que estava transportando:
— Sabe quanto estou levando dentro da máquina? R$ 4 milhões. Em pó.
O homem com quem Rogério conversa foi identificado como Éder Pereira Mendes, primo do piloto, que responde:
— Nooooooooooossssssssssssaaaaaaaaaaaa.
Rogério continua:
— É besta, imagina se fosse tudo nosso. KKKKKK
— Eu sentia um trosso (sic), diz Éder.
— O trem é doido.
E Éder sonha:
— Eu ia comprar um carrinho pra mim.
O deslumbramento dos dois e a franqueza da conversa chamaram a atenção da polícia. Rogério não demonstrou nenhum receio de que a viagem pudesse terminar com ele deitado no chão, com as mãos algemadas para trás. Até brincou com Éder sobre a carga que transportava:
— Vou tirar uma foto, você mostra o tio Tonin e fala para ele dar uma xeradinha (sic).
A droga que Rogério carregava foi negociada com a participação intensa de Robson Ferreira Dias, apresentado pela Polícia Federal como comerciante em Araruama.
Um diálogo encontrado no celular de Robson mostra uma conversa dele com um homem que usa o codinome NewHi5, que mora na Colômbia. Um mês antes da apreensão no Espírito Santo, Robson combina com NewHi5 um voo para Medellin, via Panamá, onde pretende acertar detalhes para um “projeto”.
A viagem efetivamente acontece, o que indica que a droga encontrada no Espírito Santo pode ter sido negociada com o cartel colombiano.
No celular de Robson, também é encontrada uma troca de mensagem que cita um homem que mora em Amsterdã, na Holanda, identificado como Jimi. Robson acerta detalhes para enviar “convites” para lá.
Segundo o relatório da investigação, assinado pela delegada Aline Pedrini Cuzzuol, a Polícia Federal diz que “nada do que foi obtido nos autos permitiu concluir sobre a destinação final da droga, cuja suspeita é de remessa para a Europa, via África, por navio cargueiro”.
O que se sabe de Robson é muito pouco além de que, no dia 24 de novembro, se encontrava no Espírito Santo, a bordo de um veículo Polo de sua propriedade.
Ele tem 56 anos, usa o codinome Vovô nas mensagens com outros integrantes da quadrilha, é casado com uma mulher bem mais jovem e tem um filho que foi buscá-lo na cadeia no dia em que, por decisão judicial, foi colocado em liberdade.
Até a denúncia por tráfico internacional, sua ficha na polícia apontava uma ocorrência sem gravidade: uma acusação de lesão corporal.
Robson voltou para Araruama, no Rio de Janeiro, sem embarcar a droga para a Europa. Os 445 quilos de pasta base de cocaína foram levados para a Superintendência da Polícia Federal no Espírito Santo, que já pediu autorização judicial para queimá-la.
A data da incineração já está marcada. É junho, durante a Semana Nacional de Combate às Drogas. Mas quem colocaria a mão no fogo para assegurar que os pacotes queimados conterão a valiosa pasta base de cocaína?
“Talvez queimem um pouco, mas a maior parte volta para o mercado”, comentou um policial civil de São Paulo, com experiência em investigação de narcóticos. O que impede que no lugar da cocaína seja colocada farinha, cal ou talco?
O Ministério Público Federal poderia fazer esse acompanhamento, pois tem o controle externo da Polícia Federal. Mas o procurador da República que fez a denúncia contra os traficantes abandonou o caso e se colocou na condição de testemunha de defesa dos acusados e sustenta que a prova que levou ao flagrante é nula, pois baseada em grampos ilegais.
Com os quatro acusados de tráfico soltos, o juiz federal Marcus Vinícius Figueiredo de Oliveira Costa examina a possibilidade de anular o processo, enquanto o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no Rio de Janeiro, decide, em grau de recurso, se o helicóptero deve ser devolvido à família Perrella.
Já no Paraguai, um departamento de investigação antidrogas efetuou prisões em Pedro Juan Caballerro que não chegou a ser noticiada no Brasil. É que, naquela conversa com o juiz federal em Vitória, os agentes da DEA conseguiram as coordenadas do GPS e acionaram um escritório patrocinado pela agência americana em território paraguaio.
Os agentes foram até a propriedade rural em Pedro Juan Caballerro, apreenderam outros 300 quilos de pasta base e prenderam traficantes. Nem a investigação do Paraguai nem a do Brasil apontaram para o mais importante: quem são os financiadores do tráfico?