Para você que chora pela crianças síria mas não se importa com a miséria a seu redor. Por Nathali Macedo

Atualizado em 7 de setembro de 2015 às 14:17
Falta água para refugiados haitianos no Acre
Falta água para refugiados haitianos no Acre

O grande acontecimento na internet nesta semana não foi uma modelo que foi traída ou uma subcelebridade que resolveu escrever uma autobiografia ou uma atriz que mostrou os seios na televisão. Foi a foto chocante de uma criança síria morta na tentativa de fugir da guerra e da fome e alcançar o primeiro mundo.

A família do menino Aylan Kurdi tentava entrar no Canadá, que teria negado pedido de refúgio e ofereceu asilo ao pai da criança depois que a foto viralizou na internet. Só depois que a tragédia foi assistida pelo mundo inteiro – antes disso, a questão imigratória simplesmente não era um problema da Europa (e nem nosso, para sermos sinceros).

A fotografia – que promete ser um divisor de águas na atitude européia com a questão dos imigrantes (embora eu, particularmente, não guarde essa esperança) — rendeu opiniões emocionadas, ilustrações tocantes e milhões de manifestações de condolências na internet.

Parece que o mundo enxergou que a questão imigratória – assim como várias outras questões sociais – é, sim, um problema nosso.

O poder da internet de viralizar absolutamente tudo finalmente alcançou um refugiado, um esquecido, um marginalizado, um invisível. É claro que é louvável saber que as pessoas – a internet, sobretudo – ainda são capazes de se deixarem tocar, mas isso me pareceu cruelmente raso e efêmero, exatamente como aquelas fotos de crianças africanas famintas nas timelines de quem diz que menino de rua é trombadinha e é a favor da redução da maioridade penal.

A foto viralizou exatamente como a Andressa Urach, a traição do Marcelo Adnet, a morte de um cantor sertanejo: nada muito frutífero, nada realmente tocante, nada que vista um sentimento permanente.

Esse texto é pra você que acha que o mundo vai mal porque um imigrante sírio foi fotografado morto numa praia, mas ignora a guerra urbana nas favelas da sua cidade. Que lamenta a questão imigratória na segurança do seu quarto, protegido pelos muros – visíveis e invisíveis – do seu condomínio, que acha tocante que a tentativa imigratória mate crianças (e adultos, e idosos), mas não enxerga que isso é um fruto amargo do mesmo sistema que não ampara o homem que te pede esmola na mesa de um bar.

Pra você que lamenta a fome na África, o trabalho escravo, a desigualdade social e a questão imigratória mas compra roupas no AliExpress. Pra você que se deixa tocar pela foto de uma criança morta – vítima da mesma, mesmíssima desigualdade que dizima o seu país, o seu bairro, a sua rua – mas é contra programas sociais.

Esse texto é para a nossa hipocrisia que, de tão cega, não nos deixa enxergar que nem o menino sírio, nem o garoto negro do sinal, nem as crianças mortas na rocinha são um fato isolado, e que tudo isso é, sim, um problema nosso. Esse texto é pra nós, que só tiramos os olhos de nosso próprio umbigo quando vemos a foto de uma criança morta com a cara na areia. Pra nós que somos insensíveis às mazelas da vida até que elas pisem na nossa consciência.

Abraço!