Paraíso Perdido

Atualizado em 20 de março de 2013 às 9:07

Como nativos foram expulsos de uma ilha no Índico transformada numa base americana.

Cheerleaders visitam os soldados em Diego Garcia

 

Há uma ilha entre a África e a Austrália, no Oceano Índico, que é paradisíaca. Sol o ano inteiro, águas esverdeadas. Natureza exuberante. Paz total.

O nome é esquisito. Diego Garcia. A explicação mais aceita para isso é que é uma corruptela do latim Deo Gratias, Graças a Deus. Os portugueses teriam batizado assim a ilha, na era dos descobrimentos, e depois alguma escritura teria distorcido involuntariamente Deo Gracias em Diego Garcia.

A história por trás de Diego Garcia, mais que esquisita, é lastimável.

E semidesconhecida, ainda que conte muito sobre o mundo em que vivemos.

Dois mil nativos viviam lá sob distante jurisdição britânica. Registros antigos mostram que esporadicamente franceses visitavam a ilha, rica em cocos e pesca. Com a derrota da França nas guerras napoleônicas, o controle de Diego Garcia passou para os ingleses. Como não havia riquezas ali – nem petróleo, nem ouro, nem prata – os britânicos deixaram a vida seguir em Diego Garcia sem interferir em nada.

Até que os Estados Unidos, no início dos anos 1960, decidiram que era estratégico ter uma base militar naquela região. Um eventual ataque à Rússia seria facilitado. Alguém viu, no mapa, Diego Garcia.

De quem era?

Dos britânicos.

Começaram as negociações. Os americanos queriam uma ilha desabitada, para evitar problemas com os nativos.

O que a Inglaterra fez? Enxotou os habitantes. Deu um dinheiro miserável para os habitantes e os remeteu para ilhas vizinhas. De uma vida idílica as famílias de Diego Garcia passaram à pobreza absoluta nas terras para as quais foram sumariamente empurradas – Seicheles e Ilhas Maurício.

Nativo da ilha antes da expulsão

Da Ilha Garcia acabariam partindo bombas para o Iraque e, mais recentemente, para o Afeganistão. Soldados americanos vivem lá em condições excepcionais, como se estivessem num Club Med ou coisa do gênero. Os americanos pagam um aluguel simbólico de 1 dólar por ano. Os militares costumam receber ali visitas especiais, como a de um grupo de cheerleaders do Dallas Cowboys.

Na justiça britânica, advogados ligados a grupos de ativistas defendem a causa dos nativos de Diego Garcia. Davi não contra um mas contra dois Golias: assim tem sido o embate jurídico.

Segundo o Tribunal Penal Internacional, baseado em Haia, tirar pela força pessoas de um determinado lugar é “crime contra a humanidade”.

Recentemente, foi encaminhada uma proposta para que Diego Garcia seja transformada numa “reserva marinha”. Uma reserva contestada vigorosamente: o que parece ser um gesto ecológico é, na verdade, uma manobra para evitar que os desalojados retornem, porque eles estariam impedidos de pescar. Documentos diplomáticos americanos vazados pelo Wikileaks — sempre o Wikileaks — mostram o que está por trás da proposta.

Juridicamente, é um caso extremamente complicado. Exemplo: na legislação do Reino Unido é vedado o uso de tortura em solo britânico. Mas recentemente emergiram revelações — partidas de fontes militares dos Estados Unidos — segundo as quais suspeitos de terrorismo foram levados pelos americanos para Diego Garcia e ali torturados.

Pobres habitantes de uma ilha que era alguma coisa perto do mundo ideal de Rousseau.

Como gostava de dizer um grande jornalista brasileiro no curso de conversas com amigos, “é dura a luta dos povos”.