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Parentes de juízes e desembargadores estão em lista VIP no tribunal do julgamento de Elize Matsunaga. Por Joaquim de Carvalho

 

As quatro mulheres que estão na foto que abre esta reportagem estiveram no primeiro tribunal do júri, no Fórum da Barra Funda, para ver o julgamento de Elize Matsunaga, a mulher que confessou ter matado e esquartejado o marido.

O interesse delas era profissional e acadêmico, mas tiveram muita dificuldade para entrar. Quando chegaram, o segurança perguntou se o nome delas estava lista. “Que lista?”, perguntou a advogada Erika Souza. “A lista de convidados”, respondeu o segurança, segundo o relato dela.

Formada há pouco tempo e já com a carteirinha de advogada na mão, depois de passar num concurso difícil, Erika não se conteve: “Lista VIP, na Justiça? Isso é absurdo.” O segurança se desculpou e disse que cumpria ordens.

Com muito custo, Erika conseguiu entrar, mas, quando precisou sair para ir ao banheiro, foi avisada de que perderia o lugar para alguém da fila de espera. Já os da lista VIP entravam e saíam sem o risco nenhum.

Para ela, já era demais. Pergunta aqui, pergunta ali, Erika descobriu que a lista era formada por juízes, desembargadores, parentes e amigos de desembargadores e juízes, pessoas sem nenhuma vinculação direta com o Direito ou com o caso em julgamento.

“Foram lá para assistir mesmo e depois contar aos amigos que viram o espetáculo de perto”, diz Erika. “Não foi esse o ideal de justiça que aprendi na faculdade”, acrescenta.

Uma colega de Érika procurou a corregedoria de justiça, que pediu que ela formalizasse a reclamação – “difícil, não é, meu nome fica lá e depois, se eu quiser prestar concurso para magistratura, vou ter dificuldade”.

Erika foi para o Facebook e escreveu, entre outros pontos:

– Filho de juiz, desembargador, promotor e amigos da defesa entram com lista de prioridade. É isso mesmo, agora tem lista VIP pra assistir Júri.

– O corporativismo defende o tal do Moro, mas, quando tem a oportunidade de colocar o filho pra assistir o Júri sem pegar fila, não perde a oportunidade.

A colega dela, a advogada Ana Paulo Vizoto, escreveu:

O que não sairá na mídia: teve advogado desrespeitado, teve lista de prioridade no plenário.

Não sairá na mídia, como assim?

É que elas notaram que profissionais de veículos TV, como Globo, Record, RedeTV, entre outros, faziam parte da lista VIP e não denunciariam o privilégio.

Na teoria, cada veículo poderia enviar dois profissionais, mas, segundo ela, emissoras de TV tinham oito cada e ocupavam espaços que fazem o tribunal do júri parecer um set de filmagem. Os profissionais entravam e saíam quando queriam.

Na parte do Júri que conseguiram assistir, as jovens advogadas, além de ficarem incomodadas com o ambiente de espetáculo, se surpreenderam com a maneira agressiva como o promotor se comportou em relação à defesa de Elize Matsunaga.

“Ele chamou o advogado dela Elize Matsunaga de profissional de porta de cadeia. Aprendi na faculdade que juiz, promotor e advogado estão em pé de igualdade perante a Justiça. Mas, na prática, vi que não é isso que ocorre. O privilégio ficou claro a todo momento, pois existia uma lista VIP para entrar num júri popular… não me ensinaram a modalidade júri popular privilegiado na faculdade…”

Elize Matsunaga não deve escapar de uma condenação, já que confessou o crime. O que está em discussão é se ela agiu com frieza ou não.

Se o júri entender que ela matou o marido por impulso e sob forte emoção, a pena deve ser menor – e ela poderá deixar o júri para o regime semiaberto.

Mas, se o júri entender que ela premeditou o tiro e depois, friamente, esquartejou o marido, que, segundo a acusação, ainda estava vivo, a pena será elevada e ela deverá passar mais alguns anos na cadeia.

São questões de Direito: em última análise, o júri simboliza a sociedade, primeiro analisando, depois punindo seus transgressores, no caso de condenação.

Ao elaborar lista de convidados, a Justiça evoca uma tradição de triste memória no País. No início do século 20, marinheiros de baixa patente considerados transgressores eram chicoteados em praça pública (mínimo de vinte e cinco chibatadas), no Rio de Janeiro, sob olhares de representantes da alta sociedade, que iam à praça envergando as melhores roupas.

Era um dos maiores espetáculos até que um marinheiro, de nome João Cândido Felisberto, tomou o controle de um navio que regressava ao Rio de Janeiro e mirou os canhões para o Palácio do Catete e para o Congresso Nacional, ameaçando disparar caso o castigo físico na Marinha não fosse abolido.

Depois de alguns dias, a reivindicação foi atendida e acabou o espetáculo para a alta sociedade.

****

PS: procurei hoje a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça de São Paulo para saber quais os critérios para elaboração da lista de convidados para o tribunal do júri e fui orientado a enviar e-mail, com as perguntas. Foi o que fiz, mas até agora não obtive resposta.

A disposição do plenário no júri de Elize Matsunaga
Joaquim de Carvalho

Jornalista, com passagem pela Veja, Jornal Nacional, entre outros. joaquimgilfilho@gmail.com

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Joaquim de Carvalho

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