Parlamentares acionam Justiça contra ataque de Salles a regras ambientais. Por Cida de Oliveira

Atualizado em 28 de setembro de 2020 às 19:36
Salles

Publicado originalmente na Rede Brasil Atual:

Por Cida de Oliveira

O ministro Ricardo Salles não teve dificuldade para passar uma mega boiada em reunião do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), realizada nesta segunda-feira (28). Desfigurado no ano passado para liberar geral o que é de interesse do governo de Jair Bolsonaro, o Conama comandado por Salles aprovou medidas que devem agravar, ainda mais, a situação ambiental no país.

Por meio da aprovação de uma resolução que revoga outras três resoluções, Salles conseguiu beneficiar ruralistas e empresários do setor imobiliário em uma tacada só. A Resolução nº 284, de 30 agosto de 2001, estabelecia regras para o licenciamento de empreendimentos de irrigação, a de nº 302, de 20 de fevereiro de 2002, definia parâmetros, conceitos e limites de Áreas de Preservação Permanente de reservatórios artificiais, como represas, e o regime de uso do entorno. E a de nº 303, de 13 de maio de 2002, fixava limites de áreas de preservação permanente para a vegetação rasteira no litoral, como aquelas que protegem os manguezais.

Entre outros pontos, foi aprovada também a autorização para a queima de resíduos de produtos altamente tóxicos, entre eles os próprios agrotóxicos, em fornos de produção de clinquer, o principal insumo para a fabricação de cimento.

Contra boiada de Salles no Conama

A oposição entrou com medidas contra as decisões do Conama. Logo pela manhã, os deputados petistas Nilto Tatto (SP), Enio Verri (PR) e Gleisi Hoffmann (PR) ingressaram com ação popular que pedia, em caráter liminar, a suspensão da reunião. Mas a medida tem efeito também sobre os resultados. “A ação pede para que seja anulada qualquer decisão até que o Supremo Tribunal Federal (STF) decida sobre uma ação anterior, que questiona as mudanças que o Salles fez na composição do Conama, restringindo drasticamente a participação de representantes da sociedade civil e governos estaduais”, disse Nilto Tatto.

À tarde, o deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ), líder do partido na Câmara, protocolou Projeto de Decreto Legislativo (PDL) contra as resoluções do Conama. Além disso, o partido analisa medidas cabíveis no Poder Judiciário para reverter as decisões. E Rede Sustentabilidade entrou com ação no STF, para que seja declarada a inconstitucionalidade da nova resolução do Conama, sob gestão de Salles.

“O ministro do Meio Ambiente acaba de colocar em prática o que havia dito em reunião ministerial no mês de abril: aproveitar que as atenções da população estavam voltadas para o enfrentamento à Covid-19 para passar uma ‘boiada’ e acabar com as regras ambientais. Infelizmente, este dia chegou. Vamos lutar para anular essa decisão no Congresso e esperamos que o STF afaste o Ministro Salles do seu cargo antes que não haja mais nenhum bioma a ser protegido”, disse Molon.

Quanto às implicações ambientais da revogação das resoluções, Mello faz as piores projeções. A destruição dos remanescentes de restingas, única vegetação capaz de conter as marés, vai trazer o caos ambiental as áreas urbanas do litoral.

Proteção ambiental

A Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) divulgou nota de repúdio, destacando, entre outros pontos, que a revogação ofende o princípio do não retrocesso, que permite aos Poderes da República apenas avanços na proteção ambiental, enquanto que atos normativos contrários à evolução na proteção ambiental propiciam mais insegurança jurídica e instabilidade institucional. E que a falta de representatividade da sociedade na atual configuração do colegiado já é motivo para anulação de qualquer ato.

Para os especialistas em meio ambiente que atuam no Ibama, no ICMBio e no Ministério do Meio Ambiente, foi aberta a porteira para a especulação imobiliária, para conflitos pela água entre grandes produtores e pequenos agricultores e também a piora da poluição atmosférica. Em nota divulgada pela Associação Nacional dos Servidores de Meio Ambiente (Ascema Nacional), eles alertam entre outras coisas para a especulação imobiliária, que poderá construir grandes resorts no litoral e causar a destruição de restingas que nos protegem da erosão marinha, crescente pelas mudanças climáticas, e também guarda espécies endêmicas.

A produção indiscriminada de camarões (carcinicultura), que que levará à destruição de manguezais e à introdução de espécies exóticas. Além disso, o uso excessivo dos recursos hídricos pela irrigação de larga escala sem nenhum controle por parte dos órgãos ambientais como, querem os ruralistas, poderá agravar a crise hídrica que várias regiões do Brasil já experimentaram e também à guerra pela água, a exemplo do conflito ocorrido em Correntina (BA).

Salles condenado

“Uma proposta assim só pode partir de pessoas incompetentes, sem o mínimo preparo técnico e mal intencionadas com a questão ambiental de nosso país”, disse o diretor da Associação de Combate aos Poluentes (ACPO), Jetter Castelo Branco, que defende responsabilização. “Essas pessoas deveriam ser investigadas criminalmente pelos órgãos competentes”.

Para o ambientalista Plínio Mello, de Peruíbe (SP), Ricardo Salles adota no Conselho Nacional de Meio Ambiente os mesmos métodos adotados frente ao conselho estadual de São Paulo (Consema), quando era secretário da área no governo de Geraldo Alckmin (PSDB).

“A prefeitura de Peruíbe substituiu a restinga por um muro, que de tempos em tempos é destruído pelas marés, assim como as inúmeras áreas situadas em várzea são constantemente alagadas. Será também um grande impacto nos remanescentes de Mata Atlântica.” Para o ambientalista, as revogações vão legalizar crimes ambientais já cometidos. “A boiada já passou.”

“Estamos reféns de um Judiciário lento e parcial. As decisões de Salles na Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SMA/SP) já deveriam tê-lo condenado por improbidade, mas parece que o Judiciário compactua e contribui para o desmonte ambiental no Brasil”, disse, referindo-se à condenação de Salles em primeira instância em 2017, por improbidade administrativa. O então secretário adulterou mapas e minuta de decreto de plano de manejo de área de proteção ambiental para favorecer empresários da mineração. “Condenado, foi ‘promovido’ a ministro com amplos poderes para destruir o Brasil.