Parlamentares evangélicos atacam clínica para impedir aborto legal e expõem criança de 10 anos

Atualizado em 16 de agosto de 2020 às 21:41

Publicado originalmente no Marco Zero

Por Débora Britto

Crédito: Jônatas Campos/MZ Conteúdo

Parlamentares evangélicos e um grupo de fundamentalistas religiosos tentaram impedir a realização do procedimento de aborto legal de uma criança de 10 anos na tarde deste domingo (16), no Recife. A menina veio do Espírito Santo, onde foi estuprada pelo tio, para realizar a interrupção em Pernambuco, no CISAM (Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros), centro de referência no atendimento ao aborto legal. Apesar da determinação da Justiça para interromper a gravidez, no sábado, a equipe médica do Espírito Santo se recusou a fazer o procedimento.

A criança chegou em Pernambuco no começo da tarde, acompanhada da avó e de uma assistente social do Espírito Santo, e seguiu direto para o centro médico.

Os evangélicos estavam desde meio dia em frente à maternidade, esperando a criança chegar, não permitindo que as pessoas entrassem. Eles criaram uma confusão ao tentar entrar no hospital e xingaram a criança de “assassina”. Comandando o grupo, estavam os deputados estaduais Clarissa Tércio (PSC) e Joel da Harpa (PP), ambos da bancada evangélica. Os dois gravavam vídeos com os apoiadores e postavam em suas redes sociais.

Já no fim da tarde, chegaram também o deputado estadual e pastor Clayton Collins (PP) e a vereadora do Recife Michele Collins (PP).

“Eles tentaram invadir o hospital, chegaram até a quebrar a porta do hospital. A polícia teve que intervir. Gritavam, chamando a menina de assassina, dizendo que ela tinha que gestar um feto causado por decorrentes estupros que vinha sofrendo há quatro anos. Estamos aqui tentando salvaguardar o direito dessa criança de realizar o aborto legal, que é previsto em lei desde o código de 1940”, disse Elisa Aníbal, advogada e integrante da organização Grupo Curumim. A criança está sendo acompanhada pelo Grupo Curumim e pela Frente Nacional Contra Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto.

O grupo de fundamentalistas se ajoelhou na frente da maternidade, orando, fazendo barulho e xingando a menina de 10 anos.

“Eles já estavam aqui desde meio dia, ficaram sabendo porque o pessoal do Espírito Santo, da igreja, conseguiu a informação e passou. Ela estava no vôo ainda”, conta a ativista. Um grupo de mulheres também se organizou para protestar contra a ação dos evangélicos.

Interrupção é legal

De acordo com Olímpio Moraes, diretor médico do CISAM, a menina já realizou a interrupção e passa bem. Ela segue internada para a finalização do procedimento de expulsão do feto. A criança veio por meio do encaminhamento da Secretaria de Saúde do Espírito Santo para o CISAM, que é um centro de referência no atendimento ao aborto legal.

“Acho que o pessoal do Espírito Santo comunicou que a menina estava sendo transferida. E a gente mantém sigilo para evitar esses problemas. Essa é uma maternidade que atende muitos casos graves, de alto risco, de paciente graves. Essa aglomeração prejudica até a entrada, o acesso à maternidade daquelas mulheres que estão chegando para parir com risco de morte e causa um problema”, criticou o diretor.

Ele teve que chamar o reforço policial para entrar na maternidade e garantir que pacientes não fossem constrangidos pelo grupo religioso. “Eu mesmo fui impedido de entrar na maternidade. Quando cheguei, a deputada Clarissa Tércio, que eu nem conhecia, queria falar comigo. Ela estava até calma, tranquila, mas o problema são as pessoas em torno. Fizeram um cordão de isolamento na entrada da maternidade e quando acabei de explicar o que estava acontecendo não me deixaram entrar. Com palavra de ordem, de assassino, e outras palavras mais. Eu não consegui entrar, só quando chegou a viatura policial”, conta.

“Nós trabalhamos atendendo a população pernambucana e nordestina há mais de 20 anos e nunca presenciei isso. Eu acho que o ódio, a intolerância estão sendo impulsionadas nesse momento que estamos vivendo de negacionismo, de fundamentalismo religioso”, avalia Olímpio.