Patrícia Lélis, algoz de Feliciano, vai se candidatar a deputada — e isso talvez não seja uma boa notícia. Por Nathalí Macedo

Atualizado em 6 de dezembro de 2017 às 15:20
Patrícia Lélis

Uma vez fui a Brasília entrevistar a Patrícia Lélis – aquela que acusa Marco Feliciano de estupro.

Controlei com louvor o ranço por aquela cidade que mais parece um condomínio gigantesco e tem ruas sem nome de gente (são marcadas por letras e números em uma ordem que, não importa quem você seja, você não vai entender). A coisa toda é tão confusa que saí pra ir à padaria, andei duas quadras e já não conseguia voltar ao hotel.

Eu não poderia imaginar que houvesse em Brasília algo que pudesse me deixar mais confusa do que ruas organizadas por números em uma ordem ininteligível, até encontrar a Patrícia.

Ela está sempre acompanhada da mamãe, que insistia em responder à entrevista no lugar da filha. “Senhora, ela é maior de idade”, eu pensava, com um sorriso simpático na cara.

Sobre o estupro, contou-me uma história sem buracos e cheia de detalhes. Mais convincente, impossível, até mesmo pra mim que estudei direito e ouvi dezenas (centenas?) de mentirosos até hoje.

No final, muito disposta a alimentar o meu ego – nota: não alimente o ego, ele já está muito gordo -, ela disse que comprara e adorara o meu livro. “Onde?” “Numa livraria aqui em Brasília.”

Eu e o meu ego teríamos ficado felizes pela informação, a não ser pelo fato de o livro em questão jamais ter estado a venda em Brasília.

Alerta vermelho.

A história do estupro, entretanto, era convincente e havia testemunhas – uma vizinha que resgatou-a, aos gritos, do apartamento do estuprador, onde estava sendo mantida presa – de modo que demos a matéria sem o detalhe da inocente mentirinha sobre a compra do livro, e outras inocentes mentirinhas que nada tinham a ver com a história do estupro – seria irresponsável, para dizer o mínimo, mencionar inocentes mentirinhas de uma vítima de pastor-estuprador em um país que curte essa coisa de acusar vítimas de crimes sexuais de mentirosas e manipuladoras.

Depois disso, vi a Patrícia na mídia muitas vezes: trocou o Eduardo Bolsonaro por um médico cubano (notícia!), declarou-se de esquerda e feminista (opa, notícia!) e até fez um textão todo arrependido para o ex-Presidente Lula.

Eis a grandessíssima surpresa: ela vai se candidatar a deputada federal. Não vereadora, não prefeita, não deputada estadual: deputada federal, porque humildade em início de carreira política é para os fracos.

Fiquei arrepiada até a espinha. Não pela possibilidade de ela se candidatar, mas pela possibilidade de ganhar.

Nada contra a Patrícia, é claro. Uma fofa, me deu até uma carona esperta para o hotel enquanto falava sobre como Brasília é realmente incrível porque “em Brasília não tem favela.” Uau.

Minha bronca não é pessoal, é com a cultura da política midiática no Brasil. Quantos entram para a política porque realmente querem mudar as coisas? E quantos entram porque querem poder, dinheiro e muita – eu disse: muita – publicidade pessoal?

De ex-bolsonarista arrependida a ex-jogador de futebol passando por ex-bbbs, todo mundo quer os seus quinze minutos de fama – e quem sabe mais alguns dígitos na conta bancária, a depender as alianças que se faça.

O país que elegeu o Tiririca decerto elegerá a Patrícia Lélis. E, assim como 99% do Congresso Nacional, ela certamente não está interessada em mudar as coisas – eis então a minha bronca.

Duvida? Pergunte a ela como ela mudará as coisas. Pergunte a qualquer candidato como ele mudará as coisas. Não o que eles mudarão, mas COMO – que é a pergunta de um milhão de dólares.

Spoiler: Ninguém faz ideia. Ou – felizmente – quase ninguém.

Política não existe pra te dar uma carreira cheia de dinheiro e prestígio, embora a história política brasileira tenha sido tão eficiente em nos ensinar o contrário.

Sendo muito romântica, eu diria que política existe pra mudar as coisas.

Posso estar errada, mas tendo a acreditar que mudar as coisas não é o forte de mulheres de vinte e tantos que andam com a mãe a tiracolo e contam mentirinhas sinceras para alimentarem o ego da entrevistadora e convencê-la sutilmente a fazer uma matéria positiva – ora, eu não sou tão barata assim.

Eis, então, o porquê de eu nunca ter aceitado os reiterados convites para candidaturas políticas: amar e mudar as coisas me interessam mais.