A Paulista se levantou para defender Lula — mas será suficiente? Por Willy Delvalle

Atualizado em 21 de julho de 2017 às 0:32
Paulista, 20 de julho de 2017

Teve gente que não sabia. Teve gente que ficou surpresa. “Eles estão defendendo o Lula”, disse uma moça surpresa entrando no metrô. “Eles” eram cerca, segundo os organizadores, de 30 mil pessoas. Militantes ou não de movimentos sociais e partidos, queriam ver Lula e apoiá-lo no primeiro ato, convocado por centrais sindicais, desde que o ex-presidente foi condenado pelo juiz Sérgio Moro a nove anos e meio de prisão. Um ato “significativo”, nas palavras do líder do MTST, Guilherme Boulos. Um ato de “generosidade”, nas palavras de Lula.

Fazia 16 graus. Três horas de discursos e músicas haviam se passado. Passava das 20h quando Lula subiu ao palco para discursar. “O problema do Brasil é o golpe. O problema do país é o presidente que colocaram no lugar da Dilma”, afirmou. “Quando eu era presidente, nós criamos uma comissão para discutir uma Reforma Trabalhista adequada à CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas). O trabalhador sempre esteve disposto a discutir. Quem nunca quis é a classe empresarial, a FIESP”, instituição cujo prédio, localizado próximo ao ato, era iluminado de verde e azul.

“O que os incomoda é vocês terem aprendido a conquistar direitos”, disse, recebendo aplausos do público. Criticando a elite do país, Lula citou os investimentos dos governos petistas na educação. “A elite desse país nunca gostou que o povo pudesse estudar. Eles não admitem que um metalúrgico que só tem o diploma do primário e do SENAI tenha criado mais universidades do que eles”, defendeu.

“O investimento que a gente fez em educação só tem sentido se o jovem tiver emprego pra colocar em prática seu conhecimento”, observou, em referência aos 14 milhões de desempregados do país, sendo a maioria deles jovem.

Criticando o Poder Judiciário e o presidente da República, o ex-sindicalista disse que ao Brasil está sem autoridade. “Sabemos que o movimento social precisa avançar mais. Se o Temer tivesse o mínimo de consideração pelo povo brasileiro, ele renunciaria e faria uma emenda em caráter emergencial garantindo eleições diretas”, propôs.

Lula disse que o Partido dos Trabalhadores levou vários tiros e que “um tiro de garrucha matou uma revoada de tucanos”, ironizou, sob aplausos. “Como eles não conseguem me vencer nas urnas, tentam me vencer com processos”, referindo-se à Operação Lava Jato. Aos gritos, a plateia respondia com “Lula, Lula, Lula”.

“Foram para a Suíça tentar encontrar o Lula e encontraram o Aécio. Foram para a Finlândia encontrar o Lula e encontraram o Serra. O Alckmin ainda está quieto”. E uma mulher do público gritou “o Santo”, fazendo alusão ao suposto codinome do governador do estado em planilhas de propina da Odebrecht.

O ex-presidente recorreu ao passado para defender sua honra. Mencionou uma maçã argentina vendida numa banca de Garanhuns, quando era criança. “Minha boca enchia de saliva. Por que eu não roubava aquela maçã? Porque eu não tinha coragem de envergonhar a minha mãe, que estava me esperando em casa”, contou.

Aos seus defensores, disse: “não precisam lutar por mim. Lutem pelos filhos de vocês, para garantir que esse país seja respeitado”. E indicou a ação do partido para o futuro. “A gente vai ter que desmontar a ‘desgraceira’ que fizeram nesse país”. Encerrou seu discurso anunciando que o ato seria o primeiro de uma série pelo país. “Se eu tiver só um minuto, eu darei para que o povo brasileiro conquiste a democracia”.

O ato contou com a participação de diversas personalidades políticas, como a presidente e senadora do PT Gleisi Hoffmann, o senador Lindbergh Farias, também do PT, o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, líderes sindicais, acadêmicos e artistas.

Presente no ato, Chico César cantou “À Primeira Vista”. Em seguida, defendeu a atuação do governo Lula no campo da cultura. “Estou aqui porque a cultura não pode estar ausente numa manifestação como essa. Foi a partir de Lula que a cultura passou a fazer parte da economia. Lula, sai candidato que eu vou com você para a estrada”, disse. Antes de Lula discursar, Ana Cañas cantou “O Equilibrista”. “O ex-presidente me contou que essa é a música da vida dele”.

Um dos discursos mais enfáticos da noite foi de Lindbergh Farias. “Mataram a Marisa. Ela não aguentou a pressão”. O senador lembrou a morte de Marco Aurélio Garcia, ex-assessor da presidência nos governos Lula e Dilma. “Hoje a esquerda perdeu um de seus principais intelectuais. Ele e Lula ajudaram a criar o BRICS e fizeram o país ser respeitado internacionalmente”.

Lindbergh chamou Sérgio Moro de “covarde”: “Juiz é imparcial. Você é um fantoche da Rede Globo”.

Citou o segundo mandato da presidente Dilma. “Não a deixaram governar. Disseram que era só a Dilma sair que ia melhorar. Eu pergunto pra vocês: melhorou? O golpe deu errado. O país voltou para o Mapa da Fome”.

Mencionou os expoentes do processo de impeachment. “Eduardo Cunha está preso. Temer, desmoralizado. Aécio deveria estar preso. Aí fazem pesquisa e Lulinha sobe. O país precisa de você, Lula”, concluiu.

No público, estavam pessoas vinculadas a movimentos sociais, como a aposentada Alzira Marques, de 67 anos. Ela faz parte do MTST do Capão Redondo (SP). “O Temer está tirando tudo. Lula colocou água onde não tinha, no interior. Temer é o pior de todos. Com Lula, tinha emprego”, compara. Prefere não opinar se o ex-presidente será ou não condenado em segunda instância.

Também havia críticos a Lula. “Ruim com ele, pior sem ele”, disse Elielza Rodrigues, 48 anos, membro de um movimento sem terra da Barra Funda, na capital paulista. “O povo está sofrendo desemprego e com hospitais lotados. Nós estamos procurando nossos direitos”, defende. Para ela, se há tantos políticos corruptos, “porque condenaram justo Lula, que fez tanto por nós?” Elielza está confiante de que ele não será condenado na segunda instância.

Renildo Respiridion, motorista de 47 anos, não faz parte de nenhum movimento social e também está confiante. “Não será condenado, nem preso. Vai ser candidato”, aposta. Ele estava no ato “contra o golpe, em defesa da democracia, em defesa do Lula, um trabalhador igual a mim”.

Conversando com diferentes personalidades no ato, Esther Solano, socióloga e professora da UNIFESP, avalia que o ato não foi numeroso. Mas chama a sua atenção seu caráter popular. “Diferente de outros atos na Paulista, eu vi muito povo”, relata. Na avaliação dela, após o silêncio do PT pós-impeachment, a estratégia do partido esteve claramente refletida no discursos essa noite. “O discurso do Lula e do PT vai ser muito para o povo, se diferenciando do PSDB e do PMDB, que fala muito para a classe média”.

“É uma pré-campanha, levar o Lula para a rua. Eu acho que o norte vai ser isso: essa coisa do nós contra eles, a elite contra o povo. O discurso da perseguição, o discurso de que o golpe veio para tirar o povo do poder, a perseguição da Lava Jato como uma perseguição do projeto, isso já acontecia. Mas agora está muito mais definido”, analisa.

A professora vê inocência ou uma postura “arriscada” acreditar que Lula não será condenado no Tribunal Regional Federal da 4ª região, para onde foi encaminhado o processo que envolve o triplex do Guarujá. “O TRF é muito punitivo e a tendência dele é aumentar as penas do Moro. Julgamento, eu duvido que seja só técnico. Ele vai ter um viés político também”, prevê.

Para Solano, não há dúvidas de que a Operação Lava Jato é política, assim como o juiz Sérgio Moro. “Resta saber se o TRF vai ser político também agora. Veremos”.