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Paulo Coelho lembra da tortura ao Le Monde: “Anos de chumbo que Bolsonaro quer restaurar”

Paulo Coelho. Foto: Reprodução/YouTube

Da Rádio França Internacional:

“28 de maio de 1974: Um grupo de homens armados entra no meu apartamento. Eles começam a revirar gavetas e armários, mas eu não sei o que eles estão procurando, sou apenas um compositor de rock”, conta o celebrado escritor Paulo Coelho no Le Monde,em um artigo opinativo intitulado “Os anos de chumbo que o presidente Bolsonaro quer restaurar no meu país”.

Paulo Coelho diz que foi levado ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), preso e fotografado. “Perguntei o que fiz, ele respondeu que são eles que fazem as perguntas. Um tenente me faz perguntas ridículas e me deixa ir. A partir desse momento, não estou mais oficialmente na prisão – para que o governo não seja mais responsável por mim. Quando saio, o cara que me levou ao DOPS sugere que tomemos café juntos. Ele pega um táxi e gentilmente abre a porta. Subo e dou o endereço dos meus pais – eles precisam saber o que aconteceu”, narra.

O momento da prisão pelo regime militar
O texto do escritor ganha ares dramáticos no momento da prisão. “No caminho, dois carros aparecem e bloqueiam meu táxi – um homem com um revólver na mão, sai de um dos carros e me puxa para fora do táxi. Caio no chão e sinto o cano do revólver no meu pescoço”, escreve Coelho. “Vejo um hotel na minha frente e digo para mim mesmo: ‘Não posso morrer tão rápido’. Me afundo em um estado catatônico: não sinto medo, não sinto nada. Conheço as histórias de amigos que desapareceram; eu vou morrer e a última coisa que terei visto é um hotel. O cara me levanta, me joga no chão do carro e manda que eu ponha um capuz”, continua o escritor de 72 anos, hoje radicado na Suíça.

“Você vai sofrer de verdade”
Paulo Coelho relata em detalhes o horror sentido por ele durante a tortura nos porões do DOPS. “Fui levado para uma sala de tortura com piso elevado. Tropeço porque não vejo nada: peço que não me empurrem, mas recebo um soco nas costas e desmaio. Eles me mandam tirar a roupa”, conta. Segundo o autor, o interrogatório começa com perguntas que ele não sabe responder. “Eles me pedem para entregar pessoas de quem nunca ouvi falar. Dizem que não quero cooperar, jogam água no chão, colocam alguma coisa nos meus pés e, então, vejo, apesar do capuz, uma máquina com eletrodos que são colocados nos meus órgãos genitais”. Segundo o autor, um dos agressores diz: “Você merece morrer. Você luta contra o seu país. Você morrerá lentamente, mas antes disso vai sofrer de verdade. ”

Coelho conta que, apesar de dizer que confessaria o que os torturadores quisessem, isso “não os satisfaz”. “Então, em desespero, começo a arranhar e arrancar pedaços de pele. Os torturadores certamente ficaram assustados ao me ver coberto com meu próprio sangue; eles desistem. Dizem que posso tirar o capuz quando ouço a porta bater. Eu o removo e vejo que estou em uma sala à prova de som, com buracos de bala nas paredes. O que explica o piso elevado”, escreve.

“Você quer saber quem te entregou? ”
Paulo Coelho explica, ao final do artigo, que “décadas depois, os arquivos da ditadura foram abertos ao público”. “Meu biógrafo obtém todos os documentos. Pergunto-lhe por que fui preso. ‘Um informante te acusou’, disse ele. ‘Você quer saber quem o denunciou?’”, revela o autor. “Não. Não vai mudar nada no passado”, responde Coelho, em seu texto.

O escritor termina o artigo dizendo que são “esses anos de chumbo que o presidente Jair Bolsonaro – depois de se referir a um dos torturadores mais abomináveis do Congresso que já foi como seu ídolo – quer restaurar o meu país”, fazendo referência aos elogios de Bolsonaro ao reconhecido torturador Brilhante Ustra.

Charles Nisz

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