Paulo Nogueira foi o mesmo com a bola nos pés ou com a Olivetti nas mãos. Por Mauro Donato

Atualizado em 1 de julho de 2017 às 9:29
Era bom de bola e para ele qualquer pelada se tornava final da Champions League

Daí a tampa do caixão se fecha e sou golpeado por um gigantesco ‘memento mori’. Imediatamente me pergunto quem sou eu, quem foi ele? O que estou fazendo da vida, e o que ele fez da dele? Deixarei um legado? Ele deixou?

Paulo Nogueira era aquele tipo de cara a quem costumamos nos referir como alguém ‘difícil’. Que nada mais é do que aquela pessoa que não irá aceitar que lhe entreguem menos do que o ótimo. Áspero, era aquele chefe/amigo duro que provoca a evolução do seu trabalho.

Critica, te esculhamba, desafia. Mas sempre, sempre, leal. Aperta pois sabe que pode sair mais.

Na saudosa Vila Caiçara foi que conheci Paulo Nogueira, ainda menino. Eu, não ele. Paulo tinha 9 anos a mais e era o irmão mais velho de meu amigo Kiko. E quando conhecemos alguém desde muito cedo, podemos dizer que conhecemos sua essência.

Além do fascínio natural que irmãos mais velhos causam em pirralhos, Paulo chamou minha atenção por ser um amante de futebol e por saber todas as letras dos Beatles. Aliás o quarteto de Liverpool parecia ficar tocando em looping naquela casa.

Meu vizinho de casa de praia atuava no futebol de areia de maneira idêntica a que atuaria como jornalista. Por infinitas vezes eu nem mesmo havia dominado a bola – na verdade ela poderia estar em pleno ar ainda chegando a mim – que Paulo já estava fazendo-me uma cobrança, uma orientação, dando-me uma bronca. Só de olhar para meu semblante ele provavelmente já previsse alguma cagada de minha parte. E não era só comigo.

Como para Nelson Rodrigues, para Paulo Nogueira a mais simples pelada também se tornava uma partida épica. E muitas vezes elas se estendiam até o por do sol. Ele almejava a vitória sempre. Ao contrário de muitos, jamais o vi entrar em ‘campo’ bêbado. Aquilo era sério, não estava lá para brincadeiras.

Era bom de bola. Não como este que vos escreve, mas dava no couro, tratava bem a redonda. E embora eu possa afirmar conhecer o molde que fez de Paulo o adulto exigente, sério e comprometido com resultados, confesso que até hoje tenho dúvidas se ele de fato imaginava existir algum olheiro do Real Madrid nas areias daquela amistosa vila da Praia Grande ou se aquele jogador chato, falante, reclamão, não era um personagem que ele havia criado para si.

Porque se o Paulo futebolista e jornalista foi áspero, cobrador, rigoroso, intimidador ou qualquer outro adjetivo que queiram lhe aplicar, fora das quatro linhas imaginárias do futebol de areia e fora das redações das editoras, o personagem talvez se despisse. E para saber disso há um termômetro infalível.

Se você quer avaliar a qualidade, a integridade, o caráter e a bondade de um homem, olhe para os filhos dele. E ali, mais do que em qualquer outro campo, Paulo Nogueira fez um bom trabalho. E são quatro (os filhos). Paulo era produtivo em tudo.

Aquele homem que hoje desceu para uma sepultura trajando uma camisa do Corinthians foi um jornalista que dispensa tanto apresentações quanto defesas. Trata-se de perda de tempo falar da envergadura profissional do Paulo. Basta ver a repercussão de seu falecimento na mídia. Inclusive naquelas que lhe fizeram oposição histórica.

Portanto, do Paulo que todos leram não é preciso comentar. Foi um batalhador, “Um batalhador que acreditou na causa dos justos e na luta por um país menos desigual”, como postou a ex-presidente Dilma Rousseff sobre seu falecimento.

Um batalhador que deixou uma obra, este DCM que, a despeito de ser um veículo de comunicação teve seus contratos rompidos unilateralmente por Michel Temer, também é um filho seu. Um filho que continuará agindo como se Paulo estivesse em campo, cobrando, exigindo, reclamando. Nós iremos nos esforçar, chefe. Fique em paz.