PEC de Bolsonaro mira brasileiros que recebem em média R$ 1,8 mil de aposentadoria. Por Rafael Tatemoto

Atualizado em 27 de fevereiro de 2019 às 9:41
Previdência / Foto: Henry Milleo/Agência Brasil

Publicado originalmente no site Brasil de Fato

POR RAFAEL TATEMOTO

A equipe de comunicação do governo Bolsonaro (PSL) tem propagandeado o combate às desigualdades como estratégia para angariar apoio à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 6/2019, que promete acabar com o suposto déficit na Previdência Social. Levantamentos técnicos de assessorias parlamentares apontam que cerca de 80% do R$ 1 trilhão que o governo pretende “poupar” com a PEC da reforma da Previdência será fruto de cortes no regime geral. Para Juliane Furno, doutoranda em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), essa informação derruba qualquer slogan do governo. “A desigualdade nas aposentadorias não está no regime geral: está no regime próprio. Se fosse para combater desigualdades, teria que se mexer muito mais no regime próprio”, argumenta.

No regime geral, para o serviço privado, o benefício médio do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é de R$ 1,8 mil. Já no regime próprio, dos servidores públicos, os aposentados civis da União e dependentes custam em média R$ 9 mil mensais. Segundo Furno, no interior do setor privado a progressividade das alíquotas é extremamente limitada, tendo como teto 11,68% para quem recebe até R$ R$ 5.839,45: “Salários muito superiores irão contribuir com a mesma alíquota”, lembra a pesquisadora.

Doutor em Economia e especialista em políticas públicas e gestão governamental, Paulo Kliass acrescenta que, no regime próprio, a alíquota máxima de contribuição passaria de 11% para 22%, tendo o piso rebaixado para 7% – o que, segundo ele, não afeta setores de alto escalão. “[A progressividade para o regime geral é] Totalmente limitada, quando não inexistente. Outro aspecto que tem sido pouco comentado, que na minha opinião é o coração da reforma, é o dispositivo da capitalização, que é a ‘mãe’ dessa reforma”, critica.

A capitalização, mencionada por Kliass, se contrapõe ao modelo solidário, que está em vigor. No primeiro, o trabalhador realiza uma poupança individual. No segundo, os contribuintes financiam quem hoje recebe aposentadorias. O ponto-chave, na análise de Kliass, é que a capitalização pode prescindir da contribuição patronal para a aposentadoria do trabalhador, hoje parte do modelo brasileiro, o que ampliaria a lucratividade das empresas e a disparidade social.

Além disso, o economista aponta uma omissão das discussões governamentais: o “1% da pirâmide da desigualdade social”, que vive da renda de juros financeiros – e que não contribui para a Previdência Social – permanecerá intocado. Seria uma falácia, portanto, falar em eliminação dos privilégios e desigualdades, sem colocar em pauta uma reforma tributária com essa finalidade.

Fim da aposentadoria por tempo de contribuição

A idade mínima para aposentadoria para os trabalhadores urbanos, estabelecida pela PEC da Previdência, é de 65 anos para homens e 62 para mulheres. Segundo especialistas, essa escolha, combinada ao fim da aposentadoria por tempo de contribuição, prejudica milhões de trabalhadores formais sem ensino superior.

No sistema previdenciário atual, já existe idade mínima para se aposentar: 60 anos para mulheres e 65 para homens, com 15 anos de contribuição, no caso dos trabalhadores urbanos. No entanto, é possível se aposentar antes desta idade mínima, pelo critério de tempo de contribuição.

Hoje, uma mulher que contribuiu 30 anos com o INSS, por exemplo, mas que não atingiu a idade mínima de 60 anos, conseguiria se aposentar. No caso dos homens, esse tempo de contribuição é de 35 anos. Outra forma de se aposentar antes da idade mínima é pela regra 86/96, que soma a idade e o tempo de contribuição. As mulheres devem pontuar 86 e os homens, 96.

A proposta de Bolsonaro acaba com essas modalidades. Ou seja, o trabalhador terá que se aposentar obrigatoriamente com a idade mínima que o governo propõe, além de ter de contribuir com um intervalo de tempo que ainda não foi divulgado.

Em entrevista recente ao Brasil de Fato, o advogado previdenciário Thiago Barison analisou que a mudança de Bolsonaro exigirá um período de contribuição maior para quem começa a trabalhar antes: “As pessoas começam a vida de trabalho em momentos diferentes da vida, de acordo com a classe social. Os mais ricos começam depois e os mais pobres, antes. Aliás, os mais pobres geralmente começam na adolescência, interrompendo uma parte dos estudos”, explica o advogado.

Em dezembro de 2018, das 86,2 mil novas aposentadorias do INSS, metade foi concedida de acordo com a idade mínima. Outras 23,8 mil, ou 27,6%, foram concedidas por tempo de contribuição – os dados são do último relatório mensal da Previdência Social.

Intocados

No âmbito federal, cada militar reformado ou na reserva recebe em média R$ 13,7 mil de benefício, e cada pensionista por dependência ganha R$ 12,1 mil. Os integrantes das Forças Armadas não foram citados na PEC: o governo Bolsonaro promete incluí-los em uma nova proposta, que será enviada ao Congresso até 20 de março.

A proposta também não afeta os atuais deputados e senadores. Os parlamentares que aderiram a regimes de previdência criados até 31 de dezembro de 2018 terão um prazo de 180 dias – a partir da data da promulgação da Emenda – para decidir se permanecem ou não nos regimes previdenciários aos quais já estão vinculados.