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Pedir intervenção militar é crime — o problema é que ninguém aplica a lei

 

 

Um deputado federal do PCdoB de Minas Gerais quer criminalizar quem peça a volta da ditadura. Desde 2013, pelo menos, aumentou o número de mentecaptos com essa bandeira. No dia 15 de março, eles invadiram as ruas, eventualmente com cartazes em inglês.

O projeto de Wadson Ribeiro prevê detenção de três a seis meses, mais multa. “Não se pode fazer apologia ao nazismo, à volta da escravidão e nem à volta do golpe militar, prisões e torturas”, diz ele. “Pedem terrorismo de Estado, pedem assassinato de opositores, pedem a censura à imprensa e à produção cultural, pedem sindicatos e partidos políticos proscritos”.

Carros de som clamando pela intervenção militar viraram comuns na paisagem dos protestos. Na Paulista, um deles levava um convidado especial, o ex-delegado do Dops Carlos Alberto Augusto, cuja alcunha na equipe de Sério Paranhos Fleury era “Carteira Preta”.

Tratado como heroi, o velhote, que se veste estranhamente de smoking, lamentou, a certa altura, não ter metralhado os subversivos quando pôde.

No dia 12 de abril, esse pessoal estará de volta pelas avenidas. Organizadores das micaretas reaças afirmam que não têm nada com isso, que não comungam da mesma ideia etc. Rogério Chequer, do Vem Pra Rua (chamado de “Chequer Sem Fundo” por seu guru Olavo de Carvalho), declara que o grupo é contra “qualquer tipo de intervenção militar, golpismo ou separatismo”.

Ora, então por que marchar ao lado desses pilantras? Não há desculpa. Por que eles não se separam? Na passeata em homenagem ao Charlie Hebdo, em Paris, por exemplo, a ultradireitista Frente Nacional foi proibida de participar.

O apelo às Forças Armadas está absolutamente banalizado na internet. Wadson Ribeiro não conseguirá aprovar sua proposta, ainda mais com esse congresso.

Agora, o problema não é esse. Como em muitas áreas, a questão não é inventar uma lei — é aplicar a existente.

O artigo 22 da Lei de Segurança Nacional reza o seguinte:

Fazer, em público, propaganda: I – de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social; II – de discriminação racial, de luta pela violência entre as classes sociais, de perseguição religiosa; III – de guerra; IV – de qualquer dos crimes previstos nesta Lei. Pena: detenção, de 1 a 4 anos.

O parágrafo primeiro acrescenta que “a pena é aumentada de um terço quando a propaganda for feita em local de trabalho ou por meio de rádio ou televisão” (em 1983 a internet era um brilho nos olhos de Roberto Carlos).

O artigo 23:

Incitar: I – à subversão da ordem política ou social; II – à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis; III – à luta com violência entre as classes sociais; IV – à prática de qualquer dos crimes previstos nesta Lei. Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.

É irônico pensar que a LSN foi promulgada no governo João Figueiredo. Imagine a surpresa dos fascistas saudosistas ao irem em cana por causa de um instrumento criado por um dos generais com quem sonham.

Na vida real, porém, os criminosos continuarão livres — não por causa da democracia, mas da inação.

Kiko Nogueira

Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.

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Kiko Nogueira

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