Pejotização forçada: 5,5 milhões de trabalhadores deixam CLTs e perdem direitos

Atualizado em 1 de novembro de 2025 às 12:20
Carteira de Trabalho. Foto: reprodução

Entre 2022 e julho de 2025, cerca de 5,5 milhões de trabalhadores brasileiros migraram diretamente do regime formal da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para o de pessoas jurídicas, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). O órgão suspeita que boa parte dessas mudanças ocorreu sob pressão de empregadores, em uma prática conhecida como “pejotização forçada”, usada para reduzir encargos trabalhistas e tributários.

Segundo a Folha de S.Paulo, o MTE monitora os movimentos por meio dos CPFs dos trabalhadores, acompanhando a transição desde a saída do registro formal até o ingresso no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ).

Dos 5,5 milhões de migrantes, cerca de 4,4 milhões (80%) se tornaram Microempreendedores Individuais (MEIs), grupo considerado mais vulnerável a pressões por não possuir poder de barganha diante das empresas.

Criado em 2008 para formalizar autônomos e pequenos empreendedores, o regime do MEI permite o pagamento reduzido de impostos e contribuições previdenciárias. Já para o empregador, o modelo transforma o trabalhador em prestador de serviços, reduzindo custos em até 70% sobre o salário, de acordo com levantamento da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV (Eaesp-FGV).

O fenômeno, no entanto, vem impactando as contas da Previdência Social. Quando foi instituído, o MEI contribuía com 11% de um salário mínimo para o INSS, mas a alíquota foi reduzida para 5% em 2011, durante o governo Dilma Rousseff (PT).

Com isso, enquanto um trabalhador CLT recolhe cerca de R$ 400 por mês, o MEI paga apenas R$ 70. Segundo estimativas do MTE, a pejotização dos 5,5 milhões de trabalhadores já resultou em uma perda de arrecadação superior a R$ 70 bilhões.

Os dados foram apresentados recentemente ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que deverá relatar uma decisão sobre a legalidade da pejotização.

Em abril, o ministro suspendeu todos os processos trabalhistas que tratam da contratação de pessoas jurídicas ou autônomos para avaliar a licitude dessas relações. Entre 2020 e março deste ano, 1,2 milhão de ações trabalhistas — 8,3% do total — pediram reconhecimento de vínculo empregatício.

“A pejotização é um problema quando ocorre de forma fraudulenta, como no caso de garis contratados como MEIs por prefeituras. Esses trabalhadores não têm condições de negociar com os empregadores”, afirmou Lorena Guimarães, diretora do Departamento de Fiscalização do Trabalho do MTE, em entrevista à Folha.

Trabalhadores de indústria. Foto: reprodução

Alternativas e efeitos no mercado de trabalho

Para o ex-secretário da Previdência e ex-presidente do INSS, Leonardo Rolim, uma revisão das alíquotas poderia amenizar as perdas previdenciárias. Ele propõe que apenas os trabalhadores informais registrados no Cadastro Único continuem contribuindo com 5%, enquanto os demais voltariam à alíquota de 11%.

“Aqueles que têm faturamento próximo ao teto de R$ 81 mil anuais deveriam migrar para um regime mais robusto, semelhante ao Simples Nacional”, sugeriu.

Apesar das suspeitas de fraude, há também uma parcela expressiva de trabalhadores que escolhe voluntariamente deixar o regime CLT.

Segundo pesquisa Datafolha realizada em junho, 59% dos brasileiros preferem trabalhar por conta própria, contra 39% que valorizam mais a estabilidade da carteira assinada. Entre os jovens, o índice de preferência pela autonomia chega a 68%.

Estudo do economista Nelson Marconi, da FGV, mostra que, em muitos casos, os rendimentos dos PJs chegam a ser o dobro dos salários de empregados formais em funções equivalentes. “Nos casos em que há maior escolaridade e poder de negociação, há uma clara preferência pela autonomia e pela liberdade de jornada”, explicou Marconi.

Ainda assim, o MTE alerta que a pejotização em massa pode desfigurar a estrutura de proteção social do país. O órgão estuda medidas para reforçar a fiscalização e coibir práticas fraudulentas, sem desestimular a formalização de profissionais autônomos que atuam de forma legítima.

 

Augusto de Sousa
Augusto de Sousa, 31 anos. É formado em jornalismo e atua como repórter do DCM desde de 2023. Andreense, apaixonado por futebol, frequentador assíduo de estádios e tem sempre um trocadilho de qualidade duvidosa na ponta da língua.