Pelada de bicicleta

Atualizado em 9 de janeiro de 2011 às 10:34

A causa é boa
A causa é boa

É curioso ver como as pessoas chegam ao blog. Reparei, hoje, que havia alguns acessos a um post que escrevi há quase um ano, no qual elogiava a decisão de Soninha promover com sua nudez o uso de bicicletas. Ri ao ver a expressão usada para chegar ao Diário: “pelada de bicicleta”. Reproduzo o texto porque acredito nas bicicletas como o veículo do futuro, com ou sem peladas.

VOCÊ SABE andar de bicicleta, papai?” O tom de espanto no tom de voz e na expressão de minha caçula Camila, quando contei a ela pelo Skype que tinha comprado uma bicicleta para andar por Londres, diz tudo. Fazia décadas que bicicleta era uma palavra morta em minha vida e em minha rotina, mas não em minha memória. “Vou mandar um filme para provar que sei, filha”, eu disse.

Sim, comprei. Um modelo simples, 300 libras, uns 900 reais, numa loja em Fulham, aqui perto. Há em Londres, e na maior parte das cidades adiantadas da Europa, um ambiente altamente favorável à bicicleta. Uma bicicleta a mais na rua, um carro a menos, esta a mensagem essencial.

Menos poluição, menos congestionamento, mais saúde.

Você tem áreas reservadas para ciclistas, placas, locais em que estacionar a sua em qualquer ponto da cidade e motoristas de carro que, quase sempre, tratam com cortesia e cuidado uma bicicleta assim que a vêem. Claro que, no caso específico de Londres, a cidade ser virtualmente plana ajuda.

Mas não está aí a principal razão do crescente sucesso das bicicletas na Europa. Paris é bem menos plana que Londres e as bicicletas se incorporaram à paisagem também. Sem contar que elas têm marchas para ajudar em subidas e, agora, até motores. Na China, onde o estímulo ao ciclismo é intenso, já há 120 milhões de bicicletas motorizadas.

Em Copenhague, você pode chegar ao aeroporto e pegar uma bicicleta até seu hotel ou casa. Um repórter do site americano Huffington Post fez isso e colocou num vídeo. Não são apenas cidades européias que fazem das bicicletas prioridade no transporte. Em Bogotá, há um trabalho exemplar sendo feito pelas autoridades.  Vamos observar Copenhague para ciclistas:

SÃO PAULO É O oposto, absolutamente agressiva para o ciclista. É uma obsolescência, um absurdo, uma cegueira, e não venha me dizer que a topografia de altos e baixos é o responsável. Não. É a miopia, a falta de visão das autoridades.

É uma questão de atitude. O prefeito de São Paulo devia andar de bicicleta, como faz Boris Johnson em Londres. Devia cuidar paranoicamente da segurança dos ciclistas, como acontece em Copenhague, onde existe a figura do “embaixador dos ciclistas”. (Veja detalhes neste vídeo.)  Um cruzamento perigoso no qual havia 15 acidentes graves por ano, em Copenhague, foi estudado e consertado. Agora há apenas um acidente anualmente. São Paulo não está na Europa? Pois veja o que está acontecendo em Bogotá.

Por isso gostei de saber que Soninha posou nua para a causa da bicicleta. Tenho um certo olhar cínico para a nudez por causas. Acho que é um expediente batido, de tão usado. Até meu primo Lourenço Martone, que foi casado com Marc Jacobs, posou sem roupa, minha irmã me informa. (Ele foi a criança mais tímida da família, sem dúvida. Olhos para baixo nas festas, quase nenhuma palavra. No fusca branco de seu pai dirigi pela primeira vez, com uns 15 anos.) Existe também uma hipocrisia em muita gente que posa sem roupa. Fernanda Young, por exemplo, disse que posara nua para a Playboy pela causa do erotismo. Quem acredita nisso, como disse Wellington, acredita em tudo. Se o erotismo dependesse de Fernanda Young, estaria em apuros. Fato.

BEM, de volta à bicicleta. Tirar a roupa por algo não é exatamente uma idéia original, mas tenho que reconhecer que talvez não estivesse escrevendo este artigo se não fosse a nudez sobre duas rodas de Soninha. Ótimo. Alguém está acordado e lutando pela bicicleta em São Paulo. Outras pessoas também estão, mas Soninha tirar a roupa é um marco.

Quem sabe quando eu voltar à cidade possa encontrar ruas mais amigáveis.

Para mim, a bicicleta é um reencontro com o passado, mais que tudo. Parei de pedalar na adolescência. Não foi muito fácil voltar a andar de bicicleta. O futebol me trouxe um problema de mobilidade na perna direita. Comprei uma bicicleta sem cano para conseguir montar. O banco foi ajustado com capricho.

Gradativamente as coisas foram melhorando. Já pedalo com a perna direita sem sofreguidão. Não consigo ainda soltar as duas mãos, como fazia no passado, mas uma sim, e já acho uma beleza. Espero que Camila aprove o pai, agora que ela tem uma prova em vídeo de que ele sabe andar de bicicleta.

A bicicleta me reconectou com o passado bem como o ônibus. Uma das coisas boas da vida é subir no ônibus vermelho de dois andares, o double decker, ir lá para cima e alternar a leitura de um livro ou revista com a visão da paisagem belísssima da cidade, em que se mistura o red brick das casas e prédios com o verde dos parques. Me sinto no 921 da CMTC que, na infância, me levava da Previdência para o mundo.

Você não precisa de carro em Londres. O ônibus é ótimo, o metrô também. O londrino acaba comprando carro basicamente porque é barato. Uma Land Rover usada com 40 000 quilômetros aqui no condomínio em que moro estava há algumas semanas à venda por 3 000 libras, ou
9 000 reais.

Fiquei tentado, confesso. Mas, fora tudo que eu disse, andar na contramão é complicadíssimo para quem aprendeu a dirigir do jeito certo.

Ônibus, metrô — e bicicleta.

Torço para que a nudez de Soninha desperte entusiasmo pela causa. Quero, no futuro, pedalar em São Paulo.