Eleições

Pesquisa mostra como pensam os eleitores de Bolsonaro

Esther Solano, socióloga da Unifesp

Publicado na Justificando

“Para combater um fenômeno como Bolsonaro, a primeira coisa que você tem que fazer é entender o que ele significa para as pessoas”. Foi com esse objetivo que, durante o ano de 2017, a socióloga Esther Solano, da Universidade Federal de São Paulo, entrevistou 25 simpatizantes de Jair Bolsonaro.

As conversas foram longas – entre três e quatro horas cada -, e os interlocutores, variados: eram jovens e pessoas mais velhas, ricos e pobres. Com as entrevistas, Solano buscou compreender qual era o denominador comum, o que faz com que pessoas com perfis tão diferentes fossem atraídos pelo discurso populista e antidemocrático de Bolsonaro.

O resultado das entrevistas foi complilado na pesquisa “Crise da Democracia e extremismos de direita”. Confira, a seguir, alguns dos principais pontos:

1 – Segurança Pública e direitos humanos para humanos direitos

De acordo com Esther Solano, apesar de o Brasil ser um dos países que mais encarcera no mundo, as pessoas continuam tendo uma sensação de impunidade e insegurança.

“Você pode ser morto a qualquer momento! Este país é horrível. Você tem uma filha, sai à noite e ela pode ser estuprada. Roubo, assalto, por todo lado”.(Entrevistada E.)

Uma fala recorrente de seus entrevistados foi a idéia de “vitimismo dos bandidos”, ou seja, de que “o ladrão virou a vítima”.

“Eu só sei que, hoje em dia, é melhor ser bandido do que cidadão de bem. A gente sai pra rua com medo e eles não. Eles têm mais direitos que a gente e, depois, vêm como esse mimimi, tentando dar pena na televisão. Pena de bandido? Pena da gente, que não pode viver em paz!”  (Entrevistada M.)

O endurecimento das penas, o fim da “vitimização dos bandidos” e um maior poder aos policiais é visto pelos eleitores de Bolsonaro com uma solução para esse cenário:

“A lei tem de ser dura. No Brasil, somos muito frouxos. Bandido na cadeia, pronto. Não quer cadeia, vá trabalhar. Fácil”. (Entrevistada L.)

2 – Corrupção

Segundo pesquisa do IBOPE em 2017, a maior preocupação para 67% dos brasileiros foi a corrupção e, entre os eleitores de Jair Bolsonaro, o quadro não é diferente. Há entre eles um sentimento “antipolítico”, e a idéia de que “política é sinônimo de corrupção”. Nesse sentido, eles vêem em Bolsonaro uma alternativa para esse cenário:

“Bolsonaro é um ícone de ética. O país vive numa crise ética e moral desde Collor. É indignante. Mensalão petista, tucano, Lava Jato. Ele não está envolvido, é ético”. (Entrevistado J.)

“Bolsonaro não é corrupto e é diferente dos partidos que estão aí. PT e PSDB são a mesma coisa. No Brasil só existe o poder e o dinheiro. Bolsonaro é diferente porque não é corrupto”. (Entrevistado D.)

Quando há denúncias de corrupção envolvendo o candidato, acreditam se tratar de uma “perseguição da imprensa”.

“A imprensa quer acabar com ele porque sabem que é muito forte. Ninguém segura. Vão fazer de tudo para acabar com ele, mas a gente sabe que ele é honesto”. (Entrevistada E.)

3 – Meritocracia e Vitimismo

Durante as entrevistas, Esther Solano observou que há, entre os eleitores de Bolsonaro, um posicionamento que é, majoritariamente, a favor da meritocracia e contrário às políticas de redistribuição de renda. Para eles, o self-made man é o modelo de sucesso”, afirma a socióloga, e políticas como o Bolsa Família são negativas, “porque fomentam a preguiça, o clientelismo e fazem do cidadão alguém passivo, que parasita o Estado”.

“O ideal é que não exista o Bolsa Família. Pode ser importante para algumas pessoas, mas a verdade é que é utilizado como moeda eleitoral, para fazer as pessoas votarem sempre no PT, comprarem o voto delas mesmo. Por que acha que tanta gente no Nordeste vota no PT?” (Entrevistado C.)

“O que tem de gente preguiçosa, que só quer mamar das tetas do governo. E a gente sustenta eles, né? Isso com Bolsonaro ia acabar. Quer comer? Trabalhe. Mas, não. É mais fácil dar uma de coitadinho”. (Entrevistado A.)

A mesma idéia se aplica em relação às cotas raciais:

“Por que negro tem de ter privilégio? Só porque ele é negro? Ele tem as mesmas oportunidades. É só ele se esforçar e estudar, se ele realmente quiser passar na universidade”. (Aluna, 16 anos)

4 – Minorias

Para seus eleitores, as frases polêmicas de Bolsonaro fazem parte de “seu jeito bruto, tosco de falar”, mas não configuram discurso de ódio.

“Ele não tem discurso de ódio. Tá só expondo a opinião dele, falando a verdade. E quando é um pouco radical, se retrata. Não tem discurso de ódio porque quer o melhor para todos. Só que a esquerda exagera. Olha o caso da Maria do Rosário. Ela ofendeu primeiro”. (Estudante, 16 anos)

Em relação a grupos minoritários, como os LGBTQI, os fãs de Bolsonaro, muitas vezes, concordam que sofram discriminação, mas se valem de um “exibicionismo exagerado” e de uma posição de “vitimismo e privilégio”.

“Sou gay, mas não gosto da passeata LGBT, por exemplo, acho muito exibida, muito provocativa, qual é a necessidade disso? Ah, e eu tampouco sou vítima de nada. Essa coisa de os gays somos coitadinhos, vítimas, não sei o que. Não dá, gente, vamos trabalhar e menos mimimi”. (Entrevistado J)

E, assim como acreditam não haver contradição em ser homossexual e de direita, não vêem incoerência no fato de uma mulher se posicionar como “antifeminista”:

“Sou mulher, sim, mas não sou feminista. O tempo todo de mimimi, com essa coisa de vitimismo, todas radicais, querendo passar por cima dos homens. “Feminazis”, não gosto nada disso. Olha eu sou empresária, vivo bem, estou  bem na vida e nunca precisei de feminismo”. (Entrevistada E.)

5 – Valores

De acordo com a socióloga da Unifesp, há na “nova direita” uma preocupação com a manutenção de valores como a família, a religião, a disciplina, a autoridade e a ética.

“Eu não quero que meu filho seja doutrinado e no dia de amanhã vire um maconheiro, esquerdista. Eu quero que ele aprenda valores. E essa coisa da pedofilia, vai me dizer que não é importante? A gente está numa crise moral”. (Entrevistado A.)

Para Solano, existe também entre eles uma “reinterpretação da ditadura”, em que na ditadura “a vida era mais segura e disciplinada”, e que na democracia “a vida é muito mais insegura, uma bagunça, libertinagem”.

“Na ditadura tinha mais segurança. A gente tem liberdade de expressão agora, sim, mas não temos direito de ir e vir. Aqui na periferia pelo mesmo, não temos. Talvez seria bom colocar os militares temporariamente, porque agora a gente está sendo liderada por bandidos” (Aluna, 15 anos)

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