
O etnógrafo Gabriel Feltran, professor pesquisador da Sciences Po, de Paris, doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, autor de “Irmãos: Uma história do PCC”, criticou no X o argumento demográfico de Renata Lo Prete para explicar a morte de crianças em Gaza:
Não conheço a Renata Lo Prete, nem seu trabalho, portanto não falo aqui nem dela, nem dele.
Mas quero falar do argumento demográfico para analisar conflitos armados. Eu sou contra esse argumento, há 2 décadas, no debate sobre homicídios e conflito armado no Brasil.
O argumento demográfico considera que, em uma guerra, uma população com mais crianças teria mais mortes de crianças. Como considera que, no Brasil, a redução proporcional de jovens na população causaria redução de homicídios de jovens.
Parece lógico, mas é falso.
Para o argumento demográfico, a diferença nas taxas de crianças mortas na Palestina, e na Ucrânia, estaria na comparação das pirâmides etárias.
População bem mais jovem na Palestina explicaria (ainda que não justifique) o maior número de crianças mortas.
Errado.
Também está errado o livro “Freakonomics”, que fez sucesso argumentando que a diminuição da fertilidade das mulheres americanas explicava a redução dos homicídios nos EUA, anos depois.
Eu adoro demografia, ela explica muita coisa. Mas não conflito armado. Por quê?
Porque essa explicação estrutural faz sumirem os atores do conflito armado. A intencionalidade e ação estratégica do ator. E, como sabemos, conflito armado é o lugar por excelência da estratégia.
Mísseis têm GPS. As guerras podem ser cirúrgicas, pelo menos desde os anos 90. Quando olhamos só para a estrutura, perdemos de vista a lógica própria de cada conflito armado.
E eles não são, quase nunca, espalhados homogeneamente nem no tempo, nem no espaço. São concentrados no tempo, no espaço e – com exceção da bomba atômica – também na população.
Sendo concentrados no tempo/espaço/população, e sendo lugar da estratégia, é preciso conhecer a conjuntura, a estratégia e intencionalidade mais que a estrutura.
Aqui está o video referente a Renata Lo Prete.
Com o mínimo de inteligência percebe-se que ela desmonta uma possível narrativa de que os dados seriam do Hamas e não daria para acreditar nos dados. Que é crível o alto número de crianças mortas. pic.twitter.com/EgvYs56IHj— Diego Feijó de Abreu (@diegodeabreu) November 5, 2023
Se a violência armada fosse espalhada na população, no Brasil p.ex., morreriam todos os perfis da população.
No conflito armado latino-americano, morrem quase sempre os mesmos sujeitos: na grande maioria homens, jovens, pobres, negros ou indígenas, operadores baixos do conflito armado em mercados ilegais.
Na Ucrânia e Rússia, morrem sobretudo soldados. Não uma amostra da população.
No Brasil, embora a população geral tenha perdido jovens, em proporção, os homicídios foram aumentando no mesmo período. E onde caíram bastante, como em SP, foi em ritmo bem mais rápido do que a redução demográfica dos jovens.
A explicação era outra: Crime e castigo na cidade: os repertórios da justiça e a questão do homicídio nas periferias de São Paulo
Portanto, é preciso saber que nesse conflito, os mandantes da guerra em Israel estão matando crianças intencionalmente. Estrategicamente. Não à toa cogitaram arma nuclear.
A estratégia terrorista – desde antes do 11/9 e para depois do ataque do Hamas – é atacar civis.
Não conheço a @renataloprete, nem seu trabalho, portanto não falo aqui nem dela, nem dele.
Mas quero falar do argumento demográfico para analisar conflitos armados.
Eu sou contra esse argumento, há 2 décadas, no debate sobre homicídios e conflito armado no Brasil.
Segue fio? https://t.co/xUxgW3TFx3
— Gabriel Feltran (@gabriel_feltran) November 6, 2023