PF fez devassa na empresa de Lula, não encontrou nada, mas indiciou assim mesmo. Por Cíntia Alves

Atualizado em 9 de janeiro de 2020 às 16:12
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursa em frente à sede da PF em Curitiba, após ser solto Foto: CARL DE SOUZA / AFP

Pbublicado originalmente no GGN:

POR CÍNTIA ALVES

A Polícia Federal passou mais de quatro anos investigando a LILS, empresa de palestras do ex-presidente Lula, e o instituto que leva seu nome. Os dados obtidos por meio de perícias, quebra de sigilo bancário, fiscal e telemático de diversas empresas e pessoas ligadas ao petista, entre outras medidas, não foram suficientes para provar materialmente nenhum tipo de irregularidade.

Mas como na Lava Jato em Curitiba aparentemente é proibido dar o braço a torcer, o delegado da PF Dante Perorago encontrou um jeito de indiciar Lula: usou delações inconclusivas da Odebrecht e suspeitas que já são objetos de uma ação penal em andamento.

Até a sentença que Sergio Moro proferiu no caso triplex foi utilizada para preencher a falta de elementos que pudessem criminalizar as palestras e doações ao Instituto, no relatório de 130 páginas que a PF apresentou à força-tarefa coordenada por Deltan Dallagnol, em dezembro de 2019.

Na oportunidade, enquanto a grande mídia escandalizava mais um indiciamento de Lula, o GGN alertava que as acusações lançadas ao vento dependem de provas ainda não produzidas – e o próprio delegado admite isso no documento ignorado pelos jornais.

Agora, o blog expõe o teor das 130 páginas do “arquivo Pegoraro”.

Devassa seletiva e dependência de delações

O inquérito agora encerrado pela PF foi instaurado em 2015, pelo delegado Marcio Adriano Anselmo – que trabalha em Brasília desde a ascensão de Sergio Moro a ministro de Jair Bolsonaro.

O que motivou a investigação foi o simples fato de que as empresas investigadas no caso Petrobras – Odebrecht, Camargo Corrêa, UTC, Queiroz Galvão, Andrade Gutierrez e OAS – pagaram por palestras que foram, de fato, realizadas, ou fizeram doações ao Instituto Lula.

Duas notas a respeito:

Primeiro, as empreiteiras fizeram o mesmo por outros institutos, inclusive o do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), mas a Lava Jato decidiu vasculhar apenas o que dizia respeito a Lula.

Segundo, a investida contra Lula a partir de dados colhidos em empresas investigadas pela Lava Jato mostra como a força-tarefa avançava sobre assuntos inicialmente fora de sua alçada. Para todos os efeitos, as palestras e doações eram relações comerciais entre empresas privadas, sem elo visível com a petroleira. A narrativa que vinculava os pagamentos a contratos com a Petrobras foi criada no decorrer do processo, para justificar a jurisdição de Curitiba.

A devassa na LILS não surgiu a partir de indícios de crime. Ela começou justamente para buscar qualquer irregularidade.

Juntas, as empresas da Lava Jato investiram R$ 9,3 milhões em palestras de Lula. Quando nenhuma ilegalidade foi detectada nesses repasses, a PF então ampliou o escopo da investigação e passou a analisar palestras contratadas por companhias sem relação com a Petrobras. O resultado, pelo que denota o relatório, foi igualmente frustrante.

Ao contrário do que é disseminado na mídia nos últimos anos, a PF concluiu no relatório que não há elementos suficientes para criminalizar as palestas de Lula ou os repasses aos sócios da LILS.

“Enfim, como dito, considerando a finalidade específica das palestras proferidas pelo ex-presidente da República, não vislumbramos, isoladamente, a configuração de crime.”

Mas a PF fez uma ressalva, na esperança de que uma delação premiada possa surgir no futuro e mudar os rumos da história:

“Porém, não impede que apurações específicas possam vir a demonstrar que a contratação de alguma palestra em si, e/ou conjuntamente com outras finalidades secundárias, e a respectiva destinação dos recursos, possam configurar a prática de conduta típica.”

Instituto Lula e Odebrecht 

Já as relações das empreiteiras da Lava Jato com Instituto Lula foram analisadas à parte.

Em todos os casos, os elementos também foram insuficientes para criminalizar as doações.

Até Léo Pinheiro da OAS, principal responsável pela condenação de Lula no caso triplex, advertiu que “nem os pagamentos de palestras e nem as doações ao Instituto Lula tiveram como base os acertos de um por cento de obras das Petrobras.”

A brecha encontrada pelo delegado Pegoraro para indiciar Lula é o da caso Odebrecht. Uma atitude controversa, pois as suspeitas só se sustentam em delação premiada, cujo teor já é debatido em ação penal que tramita da 13ª Vara Federal em Curitiba.

Pela narrativa, Antonio Palocci teria pedido a Marcelo Odebrecht uma doação de R$ 4 milhões para o Instituto Lula. Odebrecht, por sua vez, teria debitado o valor de uma conta fictícia que supostamente mantinha em favor do PT.

Se essa conta virtual existia, ou se a origem desses recursos era mesmo ilícita, isso a Lava Jato não atestou ainda. Para a PF, basta para indiciar Lula.

“Como já ressaltado pelo MPF, entendemos por bem apurar atos posteriores de destinação dos recursos pelo Instituto Lula, se houve beneficiamento pessoal ou de pessoas próximas.”

A leitura do relatório na íntegra indica que sem a delação da Odebrecht, Pegoraro não teria nada contra Lula. Ele mesmo admite nesta passagem:

“As meras doações pelo grupo ODEBRECHT ao Instituto Lula, consideradas isoladamente, seriam penalmente irrelevantes, tal como já possa ter ocorrido no passado com outros ex-presidentes.”

No mesmo relatório, a PF tenta ainda levantar suspeitas sobre contratos de empresas ligadas aos filhos de Lula, que prestaram serviços ao Instituto. Mas também reconhece que não possui provas para negar ou afirmar existência de qualquer crime.

“(…) apesar de alguma suspeita de que os serviços prestados pela G4 e FLEXBR possam ter sido superfaturados, detidamente
não é possível afirmar isso sem a realização de perícia pormenorizada acerca de todos os aspectos dos trabalhos realizados, seu volume, complexidade e tempo requeridos.”

A ação penal que inspira a PF a indiciar Lula é a de número 5063130-17.2016.404.7000, que trata da compra, pela Odebrecht, de um terreno que jamais foi usado pelo Instituto Lula.

No mesmo processo, a Lava Jato sustenta que a empreiteira estava envolvida na compra de um apartamento vizinho ao que o ex-presidente possui em São Bernardo do Campo.

O GGN já mostrou que o dono do apartamento, Glauco da Costamarques, decidiu colaborar com a Lava Jato, inclusive alterando depoimentos para implicar Lula, depois que os negócios de seus filhos entraram na mira das autoridades.