PF investiga 30 mil gravações da Lava Jato por suspeita de grampos ilegais

Atualizado em 15 de dezembro de 2025 às 6:09
O ex-procurador Deltan Dallagnol. Foto: Théo Marques/Reprodução

A Polícia Federal encaminhou para perícia um aparelho de gravação telefônica utilizado pela força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal do Paraná para apurar suspeitas de interceptações ilegais. O objetivo é verificar se o equipamento foi usado para escutas sem autorização judicial, o que pode configurar crime com pena prevista de dois a quatro anos de detenção. Com informações do Estadão.

A análise do aparelho foi determinada por decisão do Superior Tribunal de Justiça, após voto do ministro Luís Felipe Salomão, que reverteu um parecer da Procuradoria-Geral da República favorável ao arquivamento do pedido. O inquérito tramita sob sigilo desde o início de 2024 e investiga possíveis responsabilidades de integrantes da força-tarefa.

Segundo informações obtidas pela investigação, o equipamento periciado é o modelo Vocale R3, utilizado entre 2016 e 2020. A Polícia Federal apura se houve interceptação ativa de ligações, acesso indevido a gravações e eventual cópia ou exclusão de arquivos armazenados no sistema.

Dados preliminares indicam que o aparelho realizou cerca de 30 mil gravações telefônicas no período analisado. Dessas, ao menos 341 teriam sido acessadas por usuários, o que levantou suspeitas de que algumas escutas possam ter ocorrido sem o conhecimento ou consentimento dos titulares das linhas.

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Deltan Dallagnol e Sergio Moro em SP, em 2017 – Foto: Jorge Araujo

Por decisão do STJ, a perícia está restrita à análise dos metadados do sistema, como registros de uso, operadores responsáveis e formas de armazenamento. Os peritos estão proibidos de ouvir o conteúdo das conversas gravadas, conforme determinação expressa do ministro Salomão.

O inquérito também avalia se o então coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, e outros procuradores tiveram responsabilidade direta na instalação ou no uso do equipamento. Dallagnol nega irregularidades e afirma que o sistema foi adotado como medida de autoproteção diante de ameaças sofridas por membros da operação.

O período de funcionamento do aparelho coincide com momentos centrais da Lava Jato, como o golpe contra a ex-presidente Dilma Rousseff, a divulgação da chamada Lista de Fachin, a prisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a eleição de Jair Bolsonaro. A desativação ocorreu em 2020, após as reportagens da Vaza Jato e o desmonte da força-tarefa pela gestão da PGR.

A Polícia Federal relatou dificuldades para obter o equipamento, que ficou sob guarda da Corregedoria do Ministério Público Federal em Brasília. A entrega só ocorreu após meses de impasse e ameaça de busca e apreensão, o que atrasou a realização da perícia.

Leia a íntegra da nota divulgada por Dallagnol

Procuradores que enfrentam organizações poderosas, criminosos de colarinho branco e esquemas bilionários passam a conviver com ameaças constantes à própria vida e à de suas famílias, algo infelizmente recorrente no país, como mostram casos recentes de agentes públicos assassinados por exercerem seu dever.

O equipamento de autogravação foi adquirido pela Procuradora-Chefe à época, como medida institucional de segurança, em um contexto em que procuradores que enfrentavam organizações poderosas e crimes de colarinho branco passaram a receber ameaças à própria vida e à de suas famílias.

Nesse ambiente de autoproteção, alguns servidores públicos, membros e assessores do Ministério Público, optaram por gravar seus próprios ramais por meio do equipamento. Posteriormente, dois servidores que tinham pedido a gravação de seus próprios terminais se desligaram da força-tarefa e se esqueceram de solicitar a interrupção da gravação dos ramais que antes ocupavam, o que explica integralmente o ocorrido.

Assim que constatado o equívoco, as gravações foram encerradas. Apenas os servidores que usavam os ramais poderiam acessar as conversas gravadas nos seus próprios ramais. Não há qualquer evidência de que terceiras pessoas tenham gravado ou escutado conversas dos ramais que foram autogravados.

Deltan não utilizou o equipamento em seu próprio ramal, não tinha poder administrativo, gerencial ou hierárquico sobre o sistema, nem qualquer ascendência sobre os demais procuradores, que atuavam em pé de igualdade. A coordenação exercida tinha natureza apenas organizacional da atividade-fim.

Além disso, as investigações demonstraram de forma inequívoca que nenhuma gravação foi acessada, escutada ou utilizada, afastando qualquer hipótese de crime, dolo ou violação de direitos.

O verdadeiro absurdo é transformar uma medida defensiva adotada por ameaças sofridas em um instrumento de perseguição institucional, repetindo um padrão já visto contra agentes públicos que ousaram enfrentar o poder econômico, político e o crime no Brasil. O verdadeiro escândalo não é a autogravação, é a perseguição, que mostra que, no Brasil, combater o crime custa mais caro do que cometê-lo.