“PM se comporta como animal furioso”, diz membro da Associação Juízes para a Democracia

Atualizado em 14 de novembro de 2016 às 11:09
Elissandro da Siqueira dialoga com a PM de Geraldo Alckmin
Elissandro da Siqueira dialoga com a PM de Geraldo Alckmin

Publicado no Justificando.

Neste dia de ato de manifestações contra a PEC 241/PEC 55 que congela gastos em setores sensíveis à população mais carente como educação, saúde e assistência social por vinte anos, mais uma vez a Polícia Militar mostra a sua face truculenta. A serviço da manutenção da ordem patronal e das elites dominantes, mesmo sem receber salários e enfrentando condições degradantes de trabalho, policiais reprimiram violentamente manifestantes que nada mais faziam do que protestar pacificamente. É uma corporação militar que se comporta como verdadeiro animal furioso, sequer tendo a preocupação de avaliar o diálogo como condição necessária para a sua legítima atuação. É mais uma demonstração do despreparo da Polícia Militar, conforme já escrevi em outra oportunidade. A militarização das forças policiais não acabou, tem que acabar!

Em ato ilegal e frontalmente contrário à Constituição Federal de 1988, policiais militares do Rio Grande do Sul jogaram bombas de gás em trabalhadores para atender interesses patronais e liberar ônibus urbanos para a circulação, impedindo o direito à livre manifestação e à greve. Ao agir com violência, a PM apenas demonstra o seu caráter seletivo e que a sua missão é manter a qualquer custo o interesse do governo de ocasião, ainda que este governo sequer lhe pague salários em dia. Cada bomba de gás lançada na população custa, em média, R$ 800,00 (oitocentos reais), o que é mais do que a parcela recebida pelos policiais militares neste mês, ocasião que estão recebendo salários parcelados em nove vezes, com a primeira parcela de R$ 450,00, referente a outubro/2016. O Estado do Rio Grande do Sul está envolvido por uma onda de violência urbana sem precedentes, com alto número de homicídios e roubos, tendo o governo solicitado a presença e o reforço de tropas da Força Nacional. Entretanto, falta segurança pública apenas para a população rio-grandense, mas não para atender às demandas das empresas de ônibus que agem apenas pelo interesse do lucro imediato.

Essa lamentável situação não se restringe apenas ao Rio Grande do Sul, onde presos são deixados em viaturas ou algemados em lixeiras nas calçadas por falta de vagas em estabelecimentos prisionais, mas se reflete em corporações de outros estados da Federação. Recentemente, foi divulgado que a Polícia do Rio de Janeiro é a que mais mata no mundo, superando milícias do continente africano. O recente ataque violento e covarde feito pela Polícia Civil do Estado de São Paulo à Escola Nacional Florestan Fernandes do MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, sem mandado judicial competente, resultou em diversos feridos e detenções ilegais, inclusive, com mais de uma centena de disparos de armas de fogo, foi mais uma demonstração do estado de exceção em que estamos mergulhados e do papel das polícias nesse quadro de totalitarismo. É preciso dizer também que a cumplicidade do Poder Judiciário para com os abusos policiais, na maioria de suas decisões, encoraja atos violentos como os acima mencionados e faz com que a própria população se divida sobre o assunto. Aliás, o propagado “controle externo” da atividade policial como atividade privativa do Ministério Público previsto no inciso VII do artigo 129 da Constituição Federal se perdeu em algum ponto não recordado pela instituição.

O Estado Democrático de Direito não pode conviver com uma polícia militarizada que age contra os movimentos sociais, atua seletivamente contra as camadas mais pobres e que não tem o menor preparo para servir e proteger a população. Já em maio de 2012, a Dinamarca chegou a recomendar, na reunião do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), que o Brasil extinguisse a Polícia Militar. É certo que, por si só, a desmilitarização não acabaria com toda a truculência com que as nossas policiais estaduais costumam agir, mas seria um gigantesco passo para a surgimento de uma força policial com outro perfil, voltada à comunidade no intuito de pacificar conflitos e não de provocá-los ou de incentivar o confronto.

Não se pode responder às manifestações da população insatisfeita com violência, pois esta gera mais violência. Será tão difícil entender que somente através do diálogo, de negociações pautadas pela boa-fé e de investimentos públicos em áreas sociais é que conseguiremos superar o impasse da violência urbana? Estaríamos tão cegos a esse ponto como na obra Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago? É preciso dar um basta! Combater a violência com mais polícia, com encarceramentos em massa, operações truculentas e de duvidosa legalidade, com bombas e balas de borracha, significa combater os sintomas de uma doença que surge por causa de problemas sociais revelados na falta de acesso à saúde, educação de qualidade, assistência social e trabalho decente.

Mas para isso, é necessário também valorizar o trabalhador policial, não como militarizado, mas como servidor público no exato sentido da expressão de “servir ao público” e não da obediência cega a governos de ocasião e das elites dominantes e dos interesses da classe patronal. Além disso, precisamos conversar sobre trabalho decente e sobre a questão das drogas. A descriminalização das drogas representaria um avanço social tão significativo que causaria uma verdadeira revolução em termos de segurança pública justificando plenamente a ideia da pacificação e do não incentivo ao conflito. Mas isso é assunto para outra ocasião. Por enquanto, resistiremos!

Átila da Rold Roesler é juiz do trabalho na 4ª Região e membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD). Pós graduado (lato sensu) em Direito e Processo do Trabalho e em Direito Processual Civil. Foi juiz do trabalho na 23ª Região, procurador federal e delegado de polícia civil. Publicou os livros: Execução Civil – Aspectos Destacados (Curitiba: Juruá, 2007) e Crise Econômica, Flexibilização e O Valor Social Do Trabalho (São Paulo: LTr, 2015). Autor de artigos jurídicos em publicações especializadas. Professor na pós-graduação na UNIVATES em Lajeado/RS e na FEMARGS – Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do Rio Grande do Sul.