PMs amam Bolsonaro e sertanejo tanto quanto odeiam LGBTs, mostra pesquisa. Por Caê Vasconcelos

Atualizado em 8 de agosto de 2020 às 12:51

PUBLICADO NA PONTE

POR CAÊ VASCONCELOS

Fãs de sertanejo, apoiadores de Bolsonaro e odiadores da população LGBT+. Esse é o perfil de parte dos policiais militares brasileiros. Quem mostra isso é o estudo “Política e fé entre os policiais militares, civis e federais“, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com a empresa de inteligência de dados Decode Pulse, que analisou interações públicas de perfis de policiais militares, policiais civis e policiais federais no Facebook.

Os pesquisadores usaram informações dos portais de transparência dos estados e da União para chegar em 885.730 policiais da ativa ou aposentados. A partir daí, localizaram 141.717 perfis de policiais no Facebook, dos quais sortearam 879 contas. Ao todo, foram analisadas 2.893.101 menções relacionadas à segurança pública no Facebook entre janeiro e junho de 2020.

Dennis Pacheco, pesquisador do FBSP, explica que o ponto central das mensagens é a pauta anti-LGBT, seguida pelos elogios ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Ambos os discursos são mais presentes entre policiais militares do que entre policiais civis ou federais.

No total dos cargos mapeados, 69,2% eram de praças (soldados, cabos e sargentos). Dentro da corporação da Polícia Militar também há diferenças: o ódio aos LGBTs e o apoio ao presidente estão mais presentes nos praças: 92% do total de comentários contrários às pautas LGBTI foram feitos eles. Cerca de 41% desses PMs interagem com grupos bolsonaristas.

A maior ausência nesses grupos está entre os delegados da Polícia Civil: 93%. Cerca de 90% dos Policiais civis de outras carreiras também não presentes em grupos bolsonaristas. Entre os oficiais da PM, 65% não interagem em ambientes bolsonaristas. Entre membros da Polícia Federal, 88% dos delegados não estão em grupos bolsonaristas e 87% dos demais cargos também estão fora desses ambientes.

O ódio contra LGBTs também é menor entre policiais civis e policiais federais. Entre os policiais civis, apenas 5% deles está em ambientes bolsonaristas radicais contrários às pautas LGBTs. Entre os policiais federais não há qualquer tipo de interação contrária a esses grupos.

Nos ambientes bolsonaristas, a análise foi feita de duas formas: bolsonaristas, grupo com participação expressiva de seguidores de páginas relacionadas a políticos de direita, e bolsonaristas radicais, grupo com participação expressiva de páginas declaradas de fãs e militantes do presidente Bolsonaro.

“A baixa aceitação da institucionalidade democrática é o que mais preocupa, porque acarreta posicionamentos dos policiais mais alinhados a uma ideologia conservadora e tradicionalista do que a cadeia de comando. E isso é o que mais assusta, já que estamos falando em uma força de 700 mil pessoas armadas no país”, explica Pacheco.

Diante disso, o estudo aponta que um em cada quatro praças da Polícia Militar demonstrou adesão nas redes sociais a pautas da extrema direita, identificadas com a agenda radicalizada do governo Jair Bolsonaro.

Ponte já mostrou diversas vezes o aparelhamento da PM pela extrema direita. No período eleitoral de 2018, ficou evidente a conduta partidária da PM paulista, em que os policiais tiraram fotos com apoiadores de Bolsonaro e expulsaram jovens negros das periferias que faziam um “rolezinho” no Masp.

No mesmo ano, a Ponte contou que o coronel Marcelino Fernandes, ex-corregedor da PM, que era responsável por investigar os crimes cometidos por policiais militares até o começo de 2020, apesar de se dizer “um defensor dos direitos humanos”, era apoiador de Bolsonaro, afirmava que Brilhante Ustra não era torturador e que Brasil não teve ditadura.

Em 2020, o posicionamento político voltou com força, quando um ato antifascista foi reprimido com violência enquanto uma bolsonarista, que carregava um taco de beisebol, foi retirada com delicadeza do ato.

A Ponte também contou que, no Rio de Janeiro, policiais que atuam em uma Unidade de Polícia Pacificadora nas favelas fazem apologia à violência nas redes sociais, ostentando armas e zombando do luto de moradores nas periferias.

Entre os assuntos mais compartilhados por policiais militares, 49% são comentários sobre política institucional, 24% tratam de comentários contrários à pauta LGBT+, 14% são de temas relacionados à sociedade civil, como a pandemia e a segurança pública, e 12% são direcionados a instituições democráticas, em que aparecem majoritariamente menções ao fechamento do Congresso Nacional e do STF (Supremo Tribunal Federal).

Para Pacheco, o fato de a diversidade ter avançado ao longo do tempo, com as lutas por direitos humanos, sociais e civis dos movimentos LGBTs, negros e de mulheres “mexe muito no quanto essa visão tradicionalista era sólida, mas hoje não é mais, por isso existe esse apego muito grande a visão patriarcal de mundo”.

Um exemplo disso são os ataques sofridos pelo PM Leandro Prior, que, em 2018, foi ameaçado de morte ao ser fotografado dando um selinho no namorado. Um ano depois, em 2019, Prior foi impedido de pedir o noivo em casamento com a farda da Polícia Militar. Este ano, foi perseguido por criticar Bolsonaro nas redes sociais.

Por isso, argumenta Pacheco, não dá para dizer que a ideologia representa a militarização das polícias. “É algo muito mais da subcultura das ruas do que da estrutura da PM, do fazer polícia e do cotidiano policial. Embora estejamos falando de um número baixo, de 25%, mas é quem lida com a população”.

Uma parte da pesquisa mapeou preferências musicais e elas também apresentaram uma tendência: 34% dos PMs têm predileção por sertanejo. Na sequência, aparece o rock com 20% e o gospel com 16%.

As principais bandeiras defendidas pelos policiais militares são o conservadorismo nos costumes e valores (42%), patriotismo ou nacionalismo (32%), pacifismo (11%), bandeiras religiosas (9%) e apoio a causas sociais e em defesa dos direitos humanos (6%).

Para Pacheco, esse resultado em relação ao ódio aos LGBTs, é pior em relação à população trans, que é mais criminalizada e vulnerável. “Eu como LGBT e negro não me sinto à vontade para contar com a polícia em um caso de necessidade”, confessa.

O pesquisador avalia como um “choque” a mensuração dos discursos, já que “uma coisa é você saber que as polícias têm ideologia conservadora e outra coisa é ter a mensuração nos dados”. “Muito mais importante do que combater essa visão de mundo é regulamentar a atividade policial, já que sem isso o policial acha que pode fazer o que bem entender”.

“Se você não tem uma regulamentação, o Judiciário pode dizer que foi legítima defesa, resistência ou desacato em todos os casos, o policial se torna mais potente do que qualquer direito humano ou civil na medida em que a atividade dele não requer o respeito institucional”, completa.

O fato de o racismo não aparecer diretamente nessa pesquisa, avalia Pacheco, também é um indicador: dentro dessa visão de mundo, o racismo é tão naturalizado que não é necessário falar. “O simples fato de você não falar sobre o racismo é a maior arma para que o racismo continue consolidado, para que as ações policiais que se voltam especialmente contra populações negras continuem assim”, aponta.

“O motor disso nunca foi racismo, sempre foi atitude suspeita, tráfico de drogas, estar no lugar errado, andar de certa forma, sempre foi a criminalização da pobreza e da negritude”, finaliza.