Pochmann revela bastidores do desmonte do IBGE nos governos Temer e Bolsonaro

Atualizado em 15 de outubro de 2025 às 20:21
O presidente do IBGE, Marcio Pochmann, durante entrevista ao Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. Foto: Reprodução.

O presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Marcio Pochmann, concedeu entrevista coletiva a veículos independentes na terça-feira (14). O DCM estava presente e acompanhou as declarações de Pochmann sobre o desmonte da instituição operado por Bolsonaro, a recuperação ocorrida no governo Lula, a nova fase de modernização e a retomada da internacionalização do IBGE, além de abordar índices, desafios e a realidade das pesquisas no Brasil.

MODERNIZAÇÃO DO IBGE

Se recuperarmos historicamente, o sistema estatístico e geográfico oficial brasileiro possui 154 anos de existência. Começa em 1871, quando, pela primeira vez, o país passou a ter uma Diretoria-Geral de Estatística. Ao longo desse período, as transformações pelas quais o sistema estatístico passou se deram, em geral, em períodos autoritários, sem participação democrática. Isso é um desafio para nós, que estamos vivendo essa importante transformação pela qual o IBGE está passando.

Em 1930, ocorreram as primeiras mudanças importantes para o IBGE que conhecemos hoje — aquilo que, no Estado Novo, viabilizou o que conhecemos como censo. Outra transformação fundamental ocorreu sob o golpe militar, já na ditadura, com a incorporação das pesquisas e das contas nacionais — o PIB. Até então, era a Fundação Getúlio Vargas que fazia esse trabalho, como instituição privada.

O que estamos fazendo nesses últimos dois anos é uma reflexão a partir de escuta e de debate interno, para construirmos um novo IBGE contemporâneo da era digital. Há uma demanda da sociedade por informações mais imediatas, e o modelo de produção de informações que estamos utilizando é próprio da sociedade industrial. Fazia-se o censo em determinado ano e, depois de dois a quatro anos, divulgavam-se os dados.

Numa sociedade do passado, em que as transformações tecnológicas eram limitadas, isso não representava um grande problema. Hoje, porém, estamos divulgando o censo de 2022, mas já estamos em 2025 — e entraremos em 2026 ainda com dados de 2022. Precisamos estar muito mais preparados para as exigências da sociedade e do governo.

As políticas públicas no Brasil, em geral, reagem à realidade observada.

Todavia, com a capacidade atual de processar uma enormidade de informações com base no cruzamento de dados integrados que o país possui — DataSUS, CadÚnico, INEP, Receita Federal, entre outros —, exige-se uma capacidade de processamento em escala enorme. O IBGE precisa de capacidade de Big Tech para a operacionalidade desses dados e, assim, oferecer uma visão mais completa.

O uso da inteligência artificial dará ao IBGE a possibilidade de produzir informações mais rapidamente, a partir da ciência de dados. Com isso, trabalharemos com projeções e estimativas mais rápidas e precisas, permitindo ao governo fundamentar a formulação de políticas preditivas.

COMO EVITAR INSEGURANÇA ALIMENTAR?

Criança é servida em refeitório escolar. Foto: Reprodução

A década passada, especialmente a partir de 2015, pode ser considerada uma década perdida do ponto de vista econômico e social. Tivemos uma recessão econômica gravíssima, elevação da taxa de inflação e problemas derivados de opções tomadas em relação ao trabalho e à previdência. Isso impactou negativamente a economia e o emprego.

Agora, estamos colhendo uma reversão dessa realidade. Há recuperação da atividade produtiva e ocupação da capacidade ociosa. Está ocorrendo uma retomada do crescimento econômico, que trouxe junto a expansão do emprego, com rendimento maior — o que tem relação com a elevação do salário mínimo — e o reforço importante dos programas de transferência de renda.

Esses três elementos ajudam a entender por que o Brasil apresenta dados positivos atualmente em relação ao desemprego, à elevação da renda (massa salarial) e à atividade econômica mais voltada ao mercado interno, além da redução do gasto público, que ganhou dimensão importante.

Para o Brasil ter melhores remunerações (salários) e mobilidade social mais acentuada, é necessário maior protagonismo no investimento. Estamos reagindo: a taxa de investimento vem crescendo, embora ainda esteja em um patamar historicamente baixo. Investimento, no entanto, é uma decisão de quem tem dinheiro — e quem tem dinheiro para transformá-lo em realidade produtiva dá, como diria Keynes, “um salto mortal no escuro”.

Temos o problema da taxa de juros no Brasil: ela é um impeditivo, um constrangimento para as decisões de investimento do ponto de vista operacional. Essa questão não foi resolvida até agora porque, praticamente desde o Plano Real, temos taxas de juros muito elevadas. O combate à inflação no Brasil se dá basicamente via taxa de juros do Banco Central. Não temos uma política anti-inflacionária que utilize estoques reguladores para controlar preços ou políticas firmes de substituição de importações.

A desvalorização da nossa moeda vem logo acompanhada do aumento do preço de alimentos e remédios, por conta da dolarização. Ou seja: para combater problemas tradicionais de uma economia capitalista — como desemprego, fome e pobreza —, pressupõe-se um projeto nacional que garanta um compromisso em torno do investimento e do emprego.

BOLSONARO DESTRUIU O IBGE

O ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro acena em sua residência em Brasília, onde cumpre prisão domiciliar. Foto: Sergio Lima/AFP

Encontramos o IBGE na seguinte situação quando chegamos, em agosto de 2023: nos últimos seis anos, a instituição teve cinco presidentes. Em qualquer instituição, quando há instabilidade na gestão, fica muito difícil trabalhar com planejamento, pois se responde apenas a emergências.

Houve esvaziamento da força de trabalho do IBGE, ausência de reajuste salarial e dez anos sem concurso público — ou seja, sem o ingresso de novos colegas —, além de queda no orçamento da casa. Dentro das nossas possibilidades, engendramos uma reconexão da casa com o objetivo do IBGE. Isso nos permitiu ganhar força e fazer com que o instituto voltasse a realizar concursos — promovemos o maior concurso da história do IBGE.

Obtivemos também recuperação salarial, principalmente nos salários mais baixos. Estamos falando de um órgão que conta com 11 mil servidores, além de recuperação orçamentária, que nos permitiu retomar pesquisas que estavam congeladas.

APAGÃO ESTATÍSTICO

O apagão estatístico do Censo, ocorrido no governo Bolsonaro, foi o auge de um problema que se arrastava desde o golpe que tirou a presidenta Dilma. Isso abriu um período de profunda instabilidade na casa, corroendo uma trajetória sólida.

De 1995 a 2015, tivemos apenas quatro presidentes na instituição — dois no governo FHC e dois no governo Lula. A sucessão de presidentes após esse período levou à perda de capacidade da casa. Soma-se a isso a pandemia: muitos colegas demoraram a retornar ao presencial.

A questão censitária foi mais grave, a ponto de exigir que o STF interviesse. Se não fosse o Supremo, não sei se teríamos o censo. Se não fosse o governo do presidente Lula e os recursos aportados pela ministra Simone Tebet, não sei se teríamos conseguido concluí-lo. A redução do número de questões operada no governo anterior fez com que pontos essenciais deixassem de ser capturados.

INTEGRAÇÃO DAS ESTATÍSTICAS DO BRASIL COM OUTROS PAÍSES

O IBGE estava afastado dos fóruns internacionais. Atuamos na reintegração da instituição à cena global. Existe, por exemplo, a elite do sistema estatístico mundial, que faz parte da Comissão de Estatísticas da ONU — e fomos reeleitos, depois de um período fora, para integrar a equipe que dirige as estatísticas mundiais.

Isso demonstra que voltamos ao protagonismo internacional. Mas não é só isso: há outras iniciativas do IBGE junto ao G20, BRICS, Mercosul e países lusófonos. Há um novo mundo que o IBGE articula a partir dessa posição que a instituição reassumiu. Essa convergência ajuda a fortalecer os indicadores, especialmente em uma sociedade dirigida por dados.

Agentes do Censo, do IBGE, durante visita. Foto: Helena Pontes/Agência IBGE Notícias

O IMPACTO DO TARIFAÇO NO BRASIL SEGUNDO O IBGE

Quando ocorreu a elevação das tarifas, em decisão tomada pelo presidente dos EUA, entramos em contato com o Ministério da Indústria e do Comércio para saber como seria feito o acompanhamento setorial. Internamente, constituímos um grupo para uma pesquisa experimental adicional — como ocorreu, por exemplo, nas enchentes do RS no ano passado, com uma pesquisa direcionada à população afetada pela catástrofe climática.

No primeiro momento, não havia certeza se as tarifas viriam para ficar ou não, e por isso era necessário esperar. O impacto aferido pela nossa pesquisa usual, até aqui, foi relativamente pequeno, distante do que se imaginava originalmente. Seguimos acompanhando as consequências de eventuais decisões tomadas pelo presidente dos EUA.

COMO BLINDAR O IBGE DE GOVERNOS DE EXTREMA DIREITA

O IBGE completará, em 2026, 90 anos. Nosso papel seguirá sendo retratar a realidade por meio dos instrumentos que temos. É claro que pode haver impactos — como ocorreu nos EUA, na reeleição de Trump, quando houve ataques fortes às instituições de estatística.

Tivemos aqui o presidente anterior atacando as estatísticas do IBGE com má-fé, questionando os critérios usados pelo instituto. Preocupa-nos a capacidade de disseminação de informações falsas. Enfrentamos a banalização das estatísticas e das fake news e temos pensado em como atuar nessas situações — embora nada de especial tenha sido definido até agora.

Aguardamos a postura indicada pelo TSE para saber se haverá algum novo encaminhamento nesse sentido. Do contrário, seguiremos fazendo o que sempre fizemos: garantir a autonomia dessa instituição de Estado, independente de governos, assegurando nossa independência na produção das informações oficiais do Brasil.

Thiago Suman
Jornalista com atuação em rádio, TV, impresso e online. É correspondente do Daily Mail, da Inglaterra, apresentador do DCMTV e professor de filosofia e sociologia, além de roteirista de cinema e compositor musical premiado em festivais no Brasil e no mundo