Publicado originalmente no Brasil de Fato
O Brasil completa 30 anos de luta contra o HIV no dia primeiro de dezembro com o país sendo referência mundial no tratamento da doença. De acordo com o Boletim Epidemiológico de 2018, em 2012, a taxa de detecção de aids era de 21,7 casos por cada 100 mil habitantes e em 2017 o número caiu para 18,3. Também houve queda de 16,5% na taxa de mortalidade pela doença entre 2014 e 2017. O resultado se deve, principalmente, ao fato de o Brasil ter sido um dos primeiros países a incorporar a medicação desde que foram descobertos os chamados medicamentos antirretrovirais, em 1995. É o que conta o médico infectologista Gerson Salvador.
“Um ano após a divulgação, a terapia antiviral combinada de alta potência já estava disponível no SUS. Isso é absolutamente incomum. O Brasil foi, de fato, um país pioneiro na oferta de tratamento com antirretrovirais para quem vive com HIV e Aids”.
No entanto, o congelamento de investimentos na saúde com a PEC 95 coloca em xeque um dos programas de combate a AIDS mais eficazes do mundo. O vice-presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA), Veriano Terto, explica que a excelente atuação brasileira no combate à AIDS se deve, principalmente, à existência de um sistema de saúde público e único no Brasil. Ele afirma que o programa de distribuição de medicamentos só foi possível por conta do princípio de universalidade e equidade no qual o SUS se baseia.
Ele aponta ainda que os cortes em áreas como educação e pesquisa são preocupantes e podem inviabilizar a resposta brasileira no combate ao vírus HIV. “A gente precisa estar incorporando inovação, ou seja, precisamos não só manter as compras de medicamentos como precisamos incorporar novos medicamentos para conseguir sustentar essa resposta”.
A AIDS ainda não tem cura, mas o tratamento disponibilizado pelo SUS ajuda a diminuir a carga viral do HIV no sangue. Salvador, que também faz parte do Sindicado dos Médicos de São Paulo, conta que no surgimento da AIDS, na década de 80, o índice de letalidade era de 100%. O médico ainda explica que com o tratamento brasileiro o material genético do HIV fica tão pouco no sangue que algumas pessoas chegam a não transmitir mais a doença. Ou seja, tratar o soropositivo também é uma forma de prevenir que a AIDS se espalhe.
Neste sentido, as declarações de Bolsonaro que indicam que o SUS não deveria se responsabilizar pelo tratamento da AIDS, tratando de forma pejorativa quem é infectado pela doença, preocupam o médico. O Ministro da Saúde indicado pelo futuro presidente também fez declarações polêmicas e causou apreensão entre soropositivos, especialistas e ativistas da área. A Comissão Nacional das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais (CNAIDS) lançou um manifesto no último dia 16.
Para Terto, que também é doutor em Saúde Coletiva, o contexto e os discursos conservadores do novo governo significam retrocessos e obstáculos imensos no tratamento e combate a AIDS no Brasil.
“A gente enfrenta prevenindo, com informação científica, com informação adequada e com posições de solidariedade com essas populações, não é condenando. Afinal, a sexualidade é condenada por religiões há mais de 2 mil anos e nem por isso as pessoas deixam de transar e ter uma vida sexual”.
Ele ainda ressalta que apesar da resposta brasileira à AIDS ser referência mundial, os casos ainda são altos, principalmente, entre a população jovem. A doença precisa precisa ser enfrentada com dados, medicamentos, prevenção e principalmente informação.