Por 45 anos, a avó de Felipe Santa Cruz andou por quartéis em busca do paradeiro do filho. Só queria enterrá-lo

Atualizado em 29 de julho de 2019 às 19:21
Elzita Santa Cruz à frente de retrato do filho, Fernando, desaparecido na ditadura

Felipe Santa Cruz, presidente da OAB atacado de maneira vil por Jair Bolsonaro, foi às redes contar que sua avó, Elzita, morreu “aos 105 anos, sem saber como o filho foi assassinado”.

“Se o presidente sabe, por vivência’, tanto sobre o presente caso quanto com relação aos de todos os demais ‘desaparecidos’, nossas famílias querem saber”, escreveu.

Falecida em junho, Elzita buscou Fernando até o fim de seus dias.

Militante político da Ação Popular Marxista Leninista (APML), Fernando desapareceu no Carnaval de 1974 para nunca mais voltar.

Volta agora, com a mãe, para assombrar um canalha que não tem condições políticas e morais de permanecer mais um dia no cargo.

O Instituto Vladimir Herzog contou a história dela: 

Durante 45 anos, dona Elzita cobrou notícias em quartéis, gabinetes de presidentes e de outras autoridades e junto a Organizações Não Governamentais, inclusive do exterior, sempre insistindo com a frase: “Onde está meu filho?”. Dizia que não tinha ânsia de encontrar quem matou Fernando; queria o direito de enterrá-lo.

“É uma dor muito grande porque o único crime que ele [Fernando] cometeu foi defender a igualdade social, essas coisas pelas quais eu luto até hoje”, afirmou em 2009, enquanto pedia providências ao então presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Noutra ocasião, em 2011, disse em entrevista à jornalista Silvia Bessa para o Diário de Pernambuco: “Eu peço muito a Deus para ter coragem para saber o que aconteceu com meu filho”. Nunca houve confirmação oficial do que aconteceu com Fernando.

Nascida no Engenho Jericó, em Água Preta, na Zona da Mata Pernambucana, foi uma sinhazinha que virou ativista política. Casada com o médico sanitarista Lincoln Santa Cruz. Além de Fernando, defendeu nas trincheiras da repressão os filhos Marcelo Santa Cruz, hoje advogado, e Rosalina Santa Cruz, professora da PUC, ambos perseguidos políticos.

Ao comunicar a amigos sobre o falecimento, Rosalina escreveu em seu perfil público no Facebook, a homenagem dela à mãe: “Com você aprendi a lutar pelas coisas que acredito”. Dona Elzita teve dez filhos, 28 netos e 32 bisnetos.

O governador de Pernambuco, Paulo Câmara, destacou, por meio de nota, a importância da matriarca dos Santa Cruz: “Dona Elzita foi incansável na busca por direitos humanos e justiça para seu filho Fernando e para outras vítimas da Ditadura. A sua dedicação a essas causas seguirá nos inspirando”.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, hoje presidido por Felipe Santa Cruz, filho de Fernando, emitiu nota de pesar: “A OAB se solidariza com toda a família e amigos de D. Elzita, um exemplo de fibra e coragem para todos nós”.

O Instituto Vladimir Herzog lamenta profundamente a morte de Elzita Santa Cruz, uma das 13 mulheres que escolhemos homenagear com a primeira edição do livro “Heroínas desta História”, que deve ser lançado ainda este ano. Em uma coincidência triste, a jornalista pernambucana Silvia Bessa e as organizadoras do projeto, Carla Borges e Tatiana Merlino, passaram os últimos dias justamente finalizando o capítulo que trará luz à história desta figura excepcional.

Elzita não conseguiu, infelizmente, ver o perfil concluído e nem realizar o desejo de encontrar o filho desaparecido. Neste momento, o que nos conforta é saber que registramos sua história para inspirar as gerações futuras, cumprindo nosso compromisso com o Direito à Memória, à Verdade e à Justiça.