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“Por favor, que não seja um muçulmano”

A prece dos islâmicos no momento em que eles já estão sendo acusados pela tragédia em Boston.

 

Pouco depois das bombas em Boston, uma líbia chamada Hend Amry, que tem um tumblr em que posta fotos de árabes estereotipados, tuitou: “Por favor, que não seja um muçulmano”.

Esse apelo ecoou pelas redes sociais, nos Estados Unidos e em países do mundo árabe, já antevendo que a condição de suspeitos de sempre deve voltar aos patamares do 11 de setembro.

A polícia ainda investiga a tragédia e pode ser, é claro, que se chegue a um grupo jihadista ou algo do gênero. Mas, antes mesmo de qualquer declaração oficial nesse sentido, os islâmicos já estão sendo acusados. Não é de hoje. Em julho, quando um psicopata abriu fogo no cinema durante uma sessão do último Batman, o âncora de uma rede de tevê, ao noticiar a detenção do maluco, acrescentou que ele “não era muçulmano”. Há dias, um estudante do Qatar postou no Twitter que rezava para que o terremoto que atingiu o Irã não fosse uma “atividade tectônica islâmica”.

Ontem, o New York Post, na pressa sensacionalista, disse que o principal suspeito era um saudita (na verdade, ele foi um dos feridos). Na CNN, uma comentarista cravou que radicais muçulmanos estavam por trás dos ataques. A expressão “Jihad na América” voltou a circular.

Já existe a preocupação de que bandos de justiceiros ataquem templos e mesquitas. A blogueira islamofóbica e ativista Pamela Geller, depois de atribuir a responsabilidade a jihadistas, disse que quem não concordava com ela “tinha sangue em suas mãos,” que não se deve “sentir pena de assassinos” e que “guerra santa significa gente morta”. “Eles são selvagens”, concluiu. O colunista de direita Erik Rush declarou: “Vamos prender mais sauditas sem revistá-los! Vamos lá!” Quando perguntado sobre como ele já tinha descoberto os responsáveis pela tragédia, Rush ainda encontrou tempo de responder: “Sim, eles são o mal. Vamos matá-los todos”.

O presidente de uma entidade islâmica em Los Angeles, Salam Al-Marayati, acha que as pessoas prestam mais atenção em extremistas do que em pacifistas porque os primeiros rendem as melhores manchetes. Sua organização soltou um comunicado oficial que foi ignorado: “Condenamos os horrendos ataques terroristas. Nossos pensamentos e orações estão com todas as pessoas de Boston”. Ninguém leu. Segundo Al-Marayati, “já é triste demais ver a tragédia o tempo inteiro na CNN e ouvir as histórias do menino de 8 anos que morreu. Pior é acrescentar a isso a ideia de que sua religião será arrastada na lama novamente”.

A condenação prévia é um horror. Mas o fato de eles pedirem perdão ou rezarem para que não seja um muçulmano ANTES de encontrarem o verdadeiro culpado é um triste retrato de uma realidade triste e sombria.

Kiko Nogueira

Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.

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Kiko Nogueira

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