Por que a Bélgica virou exportadora de militantes do Estado Islâmico

Atualizado em 18 de novembro de 2015 às 8:08
Abdelhamid Abaaoud, suspeito de planejar os ataques em Paris
Abdelhamid Abaaoud, suspeito de planejar os ataques em Paris

Publicado na DW:

 

Por volta de 11 mil combatentes estrangeiros juntaram-se a jihadistas na Síria e no Iraque entre 2011 e 2013, e quase um quinto deles partiu da Europa Ocidental, segundo o Centro Internacional para o Estudo da Radicalização e Violência Política (ICSR). Com ao menos 296 combatentes, a Bélgica está no topo da lista em termos de números absolutos.

Para efeito de comparação, na Alemanha, um país oito vezes maior, estima-se que haja até 240 combatentes na suposta “guerra santa”. Em relação à população, a Bélgica tem 27 combatentes para cada milhão de habitantes, sendo, portanto, o principal “fornecedor” de jihadistas europeus.

“Os belgas afrouxaram as rédeas quanto à observação da cena [jihadista] e medidas preventivas”, diz Asiem El Difraoui, cientista político especializado em Oriente Médio, em entrevista à DW.

Para os fracassos na luta contra o terrorismo islâmico, ele vê uma razão clara: o conflito interno no país europeu. “Os belgas estão, simplesmente, muito preocupados com eles mesmos.” Há anos, a rivalidade entre flamengos (língua holandesa) e valões (língua francesa) tem impedido o governo de cuidar dos problemas internos do país, diz o especialista.

Da pequena cidade à jihad

A pequena Verviers, no leste do país, tornou-se símbolo do que é tão atraente para alguns cidadãos nessa forma militante extrema do islamismo. Pesquisadores da Universidade de Liège estudaram a integração e as condições sociais em Verviers, uma das cidades mais pobres da Bélgica. Dos 53 mil habitantes, cerca de 15% têm origem imigrante.

Ao todo, 117 nacionalidades vivem na cidade, entre elas a segunda maior comunidade chechena do país, que é considerada uma espécie de núcleo de combatentes islâmicos.

No começo de 2015, ficou claro como a cena jihadista tornou-se mais violenta quando dois islâmicos foram mortos numa batida da polícia belga por suspeita de planejarem ataques terroristas. Eles haviam aberto fogo contra os oficiais com armas automáticas.

Perspectivas econômicas

Não só os muçulmanos radicais na Bélgica são um problema: a discriminação no mercado de trabalho também é grande. Cerca de 6% dos belgas são muçulmanos, e mesmo quando falam a língua perfeitamente ou são falantes nativos são tratados como estrangeiros, aponta um estudo da Rede Europeia Contra o Racismo. A taxa de desemprego entre as pessoas que nasceram fora da União Europeia (UE) em 2012 foi três vezes maior que a dos nascidos na Bélgica.

A Anistia Internacional também criticou o governo belga pela falta de esforços para a integração. Segundo um estudo de 2012, a empresas foi facilitada a recusa de candidatos a um emprego por causa da religião. As mulheres muçulmanas que usavam o véu foram as mais afetadas.

A frustração resultante de situações como essa faz com que seja mais fácil grupos fundamentalistas violentos radicalizarem indivíduos a favor de sua causa.

Ponto de virada?

Embora o problema seja conhecido há muito tempo, o governo belga investe mais em políticas simbólicas e de segurança que em medidas de integração eficazes. Em 2009, a cidade de Antuérpia proibiu o uso do véu islâmico em público.

Dois anos mais tarde, a Bélgica criou uma lei que gerou um grande alarde. No ônibus, durante uma caminhada ou no cinema, mulheres foram proibidas de usar burca, sendo aplicada uma multa de 137,50 euros em caso de violação da lei. Das quase 200 mil mulheres muçulmanas no país, “apenas” 270 foram afetadas.

Num julgamento em 2012, a organização Sharia4Belgium, que abertamente recruta combatentes jihadistas, foi oficialmente proibida. Na maior ação judicial da história da Bélgica contra o terrorismo islâmico, o chefe do grupo radical, Fouad Belkacem, foi condenado a 12 anos de prisão em fevereiro de 2015 . Depois de vários ataques, o governo estabeleceu, no início deste ano, o alerta de terrorismo e reforçou a vigilância telefônica.

El Difraoui espera que, depois dos atentados de Paris, maiores esforços sejam feitos para integrar os cidadãos muçulmanos do país à sociedade – uma das condições para combater o radicalismo islâmico. Talvez pressão de fora do país seja necessária, diz. “Os franceses não vão mais aceitar que a Bélgica continue tão inativa.”