Por que a Bolívia não deveria entregar o “presente” Battisti à direita da Itália e do Brasil. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 13 de janeiro de 2019 às 12:50
Battisti, preso na Bolívia, mas Bolsonaro quer faturar

A manifestação de Eduardo Bolsonaro no Twitter já seria motivo suficiente para se posicionar do lado oposto ao dele e daqueles que querem a rápida extradição de Cesare Battisti, preso na noite de sábado em Santa Cruz de La Sierra, Bolívia.

O filho de Jair Bolsonaro age como um provocador.

Battisti foi preso em terra estrangeira, sem participação direta das autoridades brasileiras, mas o jovem Bolsonaro aproveitou para tirar sua casquinha.

“O Brasil não é mais terra de bandidos. Matteo Salvini, o ‘pequeno presente’ está chegando”, escreveu ele em tuíte redigido em italiano e que teve como destinatário principal o ministro do Interior da Itália, também ele um político de extrema direita.

Em outro tuíte, Eduardo Bolsonaro insultou: “A esquerda chora”.

O pai também tirou sua casquinha. Em resposta a um tuíte de Salvini, que agradecia pelo “grande trabalho das agências policiais italianas e estrangeiras”, Bolsonaro escreveu:

“Parabéns e conte sempre com a gente”.

Salvini entrou na ciranda e também reagiu com provocação. “Acabou a boa vida!”, escreveu ele no Facebook, com uma imagem que é uma fraude.

Na montagem, Battisti estaria numa praia do Rio de Janeiro.

Falta combinar com os russos.

Battisti está preso na Bolívia, país soberano, e Evo Morales terá diante de si um desafio gigantesco: entregar o “presente” para a extrema direita ou verificar por que, em outros países, o ex-militante da esquerda italiana é considerado inocente.

Battisti encontrou abrigo na França e no México, países onde ele morou antes de sua prisão no Brasil, em 2007, com passaporte falso.

O primeiro motivo para suspeitar que Battisti pode, sim, ter sido alvo de um erro da justiça de seu país é técnico.

Em um dos casos — o assassinato de um joalheiro e o ferimento de seu filho, que ficou paraplégico –, Battisti foi condenado, em primeira instância, como autor dos disparos.

Mais tarde se revelou que isso era impossível.

Praticamente ao mesmo tempo, outra pessoa era assassinada em ação atribuída ao grupo de Battisti, e a autoria dos disparos também foi reputada a ele.

Battisti foi condenado pelos dois assassinatos, mas estar em dois lugares ao mesmo tempo era impossível.

No julgamento em segunda instância, a sentença foi reformada, e ele foi apontado como autor dos disparos em um um crime e como mandante em outro.

Battisti tinha 23 anos de idade. Será que, tão jovem assim, já poderia ser considerado autor da ordem para matar o joalheiro?

Quais as provas do envolvimento de Battisti com esses crimes?

Não existe nenhuma. São apenas delações de ex-militantes da organização a que pertenceu Battisti.

E essas delações foram negociadas depois que Battisti confrontou a justiça italiana, ao fugir do cárcere após uma condenação de treze anos por delitos políticos.

Ele não tinha condenação perpétua, porque não era acusado de homicídio, mas sua fuga enfureceu as autoridades italianas.

Para seus defensores, a condenação de Battisti é uma vingança política. Um caso europeu de lawfare.

Ressalvadas as diferenças no conteúdo das acusações, há semelhanças entre o processo de Battisti e o de Lula.

Ambos foram condenados não pelo que fizeram, mas pelo que representam. Battisti, a esquerda italiana. Lula, as classes populares no Brasil.

Ambos denunciaram a perseguição judicial, com a diferença de que Lula preferiu pagar o preço da condenação que, a rigor, também não foi baseada em provas, mas na palavra de um co-réu, Leo Pinheiro.

Um das evidências de que o processo italiano não foi justo — assim como a Lava Jato no Brasil — é o asilo político que lhe concedeu a França, depois da condenação por delitos políticos na Itália, durante o governo de François Miterrand, em 1985.

Em uma reviravolta política na França, com a ascensão do governo de direita representado por Jacques Chirac, o caso Battisti também recebeu outra interpretação em território francês.

Antes que a França autorizasse sua extradição à Itália, Battisti fugiu, e, em 2007, preso no Brasil, deu início a mais um processo de extradição, em que, para quem o acompanha de longe, os fatos se revelam menos importantes do que a orientação política de Battisti.

Para aqueles que invocam o princípio de que Battisti tem uma condenação legítima em um país democrático, convém lembrar que a justiça italiana é mal vista na Europa, não apenas por esse caso, mas pelo ativismo de seus juízes e a aplicação penal que admite a delação como prova de crime.

Quando foi preso no Brasil, por portar passaporte falso, Battisti escreveu uma carta dirigida aos senadores brasileiros.

“É fato que nos anos 70 eu, como milhares de italianos, diante de tantas injustiças que caracterizavam a vida em nosso país, também participei de inúmeras ações de protesto e, como tal, participei dos proletários armados pelo comunismo. Nestas ações, quero lhes assegurar que nunca provoquei ferimentos ou a morte de qualquer ser humano”, afirmou.

“Nunca qualquer autoridade policial ou qualquer juiz me perguntou se eu cometi um assassinato. Durante a instrução do processo e o julgamento onde fui condenado à prisão perpétua, eu me encontrava exilado no México e não tive a oportunidade de me defender”, acrescentou.

Quando esta carta foi lida no Senado por Eduardo Suplicy, em 2011, um dos mais ardorosos defensores da extradição de Battisti à época, o senador Demóstenes Torres (mais tarde, cassado por corrupção) disse que o Brasil não poderia questionar decisões judiciais de países democráticos, como a Itália.

Agora, com a prisão de Battisti, espera-se que os sucessores de Demóstenes na direita (o ex-senador goiano já não conta, depois de tombar em combate) respeitem a soberania da Bolívia sobre prisões em seu território.

Battisti tem direito de lutar por sua liberdade, e de apontar as razões políticas para sua condenação.

À Bolívia, caberá julgar o caráter político da condenação, e de conceder ou não asilo a Battisti, como já fizeram Mitterrand na França e Lula no Brasil.