Por que a proposta do governador Camilo Santana de “matar” Lula deve ser refutada. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 17 de maio de 2018 às 10:24
Manuela D’Ávila, Lula e Guilherme Boulos

Depois de Flávio Dino, é Camilo Santana, governador do Ceará, que vem a público para dizer que o PT deve apoiar Ciro Gomes logo no primeiro turno.

A declaração de Camilo Santana foi dada dois dias depois da pesquisa que indica a vontade do eleitor de que Lula seja candidato, pois é disparado o líder das intenções de voto.

Por que os políticos com mandato estão indo na contramão da vontade do eleitor?

Pragmatismo.

Os governadores estão preocupados agora com sua própria reeleição e querem ter alianças que garantam tempo de TV e um palanque nacional.

Fazem política de acordo com um padrão estabelecido há anos e não conseguem enxergar como poderiam se eleger com o candidato da coligação a presidente preso e sem poder fazer campanha na rua.

É, de fato, inédito, e, aparentemente, mais difícil fazer campanha nestas condições.

Mas a situação que o Brasil vive hoje também é inédita.

Existe legalidade aparente, com a prisão de Lula obedecendo a formalidades, assim como o rito de impeachment de Dilma Rousseff seguiu regras constitucionais.

A violência é de outra natureza. É o que move as instituições, o que as faz seguir formalidades atropelando fatos.

Por exemplo, não existe prova de que o triplex do Guarujá tenha sido de Lula ou que ele ou família tenham usufruído do bem.

Sendo assim, onde está o crime?

Lula foi condenado por corrupção sem que tenha sido apontado um ato formal dele em benefício das empresas que se participavam de esquemas de propina na Petrobras — que, aliás, sempre existiram.

Atropelando o que diz a lei, Moro considerou que houve corrupção por fatos indeterminados. Mas não existe lei no Brasil que determine punição a alguém por fatos indeterminados.

A condenação de Lula, porém, seguiu o rito processual e o TRF-4 manteve a condenação, também com argumentos que não se sustentam na lógica dos fatos descritos como crime.

O relator do processo considerou que, mesmo não havendo fatos determinados que caraterizassem crime, era preciso considerar que a corrupção deve ser analisada caso a caso.

Em outras palavras, o desembargador João Pedro Gebran Neto manifestou o entendimento de que o que vale para Lula pode não valer para outro.

É um padrão de julgamento que só se verifica em países totalitários, como na União Soviética sob Stálin.

Do ponto de vista da lógica jurídica que garante o estado democrático de direito, é inaceitável, porque, sendo assim, não se garante a ninguém segurança contra arbítrios e abusos das autoridades.

Na democracia, o que manda é a lei, não a análise caso a caso. O que vale para um vale para todos.

Na formalidade, porém, Lula está condenado em segunda instância.

Mas ele ainda pode recorrer, justamente para apontar o que sua defesa considera excessos — e são mesmo.

Contrariando a Constituição, Lula só pôde recorrer preso.

Ainda que venha a ser absolvido pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal, não teve direito de continuar livre.

A Constituição assegura que todo cidadão brasileiro só pode ser preso depois de sentença transitada em julgado.

Mas, desde que a Lava Jato assumiu a hegemonia do discurso jurídico no Brasil, isso não vale.

O Supremo Tribunal Federal (STF) está dividido quanto a questão, porém o debate foi interditado porque a atual presidente da corte, Cármen Lúcia, não quer colocar em pauta duas ações nesse sentido.

Vale o artigo 283 do Código de Processo Penal, que garante a liberdade ao brasileiro até trânsito em julgado do processo criminal?

Enfim, o Brasil vive tempos anormais e, dentro da anormalidade, é que se coloca a candidatura de Lula.

Está correta a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann, quando enumera as razões pelas quais Lula é o candidato formalmente indicado pela Executiva do partido:

“Primeiro porque ele é inocente. Segundo porque ele pode ser candidato, à luz da legislação, e, terceiro, porque ele quer ser candidato para resolver os problemas do povo brasileiro”, afirmou, em vídeo divulgado esta semana.

O Le Monde, um dos jornais mais influentes do mundo, publica hoje artigo de Lula, em que ele próprio explica as razões pelas quais quer voltar a ocupar o Planalto:

“Na minha vida nada foi fácil, mas aprendi a não desistir. Quando comecei a fazer política, mais de 40 anos atrás, não havia eleições no País, não havia direito de organização sindical e política. Enfrentamos a ditadura e criamos o Partido dos Trabalhadores, acreditando no aprofundamento da via democrática. Perdi 3 eleições presidenciais antes de ser eleito em 2002. E provei, junto com o povo, que alguém de origem popular podia ser um bom presidente. Terminei meus mandatos com 87% de aprovação popular. É o que o atual presidente do Brasil, que não foi eleito, tem de rejeição hoje”, escreveu.

O que os governadores, legitimamente interessados na sua sobrevivência política, não estão entendendo é que esta campanha eleitoral se dará em torno de um movimento: Lula Livre.

Não é Ciro nem Lula: é Lula Livre.

É um mote, do mesmo padrão político que levou, na década de 80, à eleição de governadores de oposição à ditadura militar.

E, no final da década de 80, à escolha de Fernando Collor e do próprio Lula para disputarem o segundo turno das eleições.

Os políticos que se moviam pelo protocolo da época, representantes dos partidos hegemônicos, ficaram de fora.

A eleição de 2018, também a primeira após uma ruptura democrática (ainda que formalmente legal), também será de inovação.

O ônus de interditar Lula deve caber a quem o quer fora da disputa, não a seus aliados, como Flávio Dino e Camilo Santana.

São os colunistas dos grandes jornais e da televisão, que defenderam a queda de Dilma, que insistem na tese de Ciro cabeça de chapa e um vice do PT.

Querem matar Lula politicamente. A morte política de Lula pode ser bom para o projeto de alguns, mas não atende ao interesse da maioria do povo brasileiro.