Por que a série “Succession”, que termina hoje, vai deixar saudade. Por Luís F. Miguel

Atualizado em 28 de maio de 2023 às 18:53
Succession chega ao fim em 28 de maio. (Foto: Reprodução – HBO)

Hoje será exibido o último episódio de Succession (na HBO e plataformas piratas).

Com a autoridade de quem acompanha a série criada por Jesse Armstrong desde antes de ter virado modinha, posso afirmar: ela elevou a grande forma de expressão artística de nosso tempo (o seriado de televisão) a um novo patamar, pela complexidade das personagens, sutileza da trama e maestria da execução.

Logan Roy, o magnata da televisão, e seus quatro filhos são os protagonistas. A partir daí, a série entrelaça três eixos principais:

  • As relações familiares. A família é o centro da vida das personagens, mas não como espaço de afeto, sim de luta por controle e autoafirmação.
  • A decadência dos impérios da mídia tradicional em tempos de internet.
  • O direito divino dos ricos: humilhar quem estiver à sua volta.

Connor, o filho mais velho, é talvez a personagem mais plana. Meio bobão, parece resignado a não receber o amor de ninguém, mas ainda assim está muito contente com a sorte que a loteria do nascimento lhe concedeu: ser um milionário.

Como por vezes ocorre com herdeiros que são inúteis para as empresas familiares, ele se distrai com a política – disputando nada menos que a presidência dos Estados Unidos, num voo solo de patético narcisismo.

É a relação com Willa, a pragmática garota de programa com quem acaba se casando, que provê maior profundidade à personagem.

Embora Connor seja o mais velho, único filho do primeiro casamento de Logan, é Kendall quem se atribui a posição de primogênito – isto é, sucessor natural do pai.

As idas e vindas da relação com o pai, nas quatro temporadas, ilustram com perfeição o complexo mix de emoções que tantas vezes estão presentes nestas situações: admiração, frustração, emulação, rivalidade, despeito.

Shiv é a única mulher entre os filhos – e a mais preparada. O gênero pesa, numa família e numa empresa marcadas pela misoginia (“tio Mo”, de “molestador”, era o apelido carinhoso dado a um funcionário graduado). Oscilando entre marcar sua diferença ou agir igual aos irmãos, ela não deixa de se revelar tão amoral quanto eles.

Roman, o filho mais novo, apresenta uma intrigante mistura de perversidade, perversão e fragilidade. Manipulador e carente, é tão ambicioso quanto os outros.

Numa trama sem heróis, Roman se destaca por ser o mais capaz de despertar, no espectador, sentimentos de simpatia e repulsa – às vezes, ao mesmo tempo.

O papel é valorizado pela excelente atuação de ‎Kieran Culkin, que definitivamente deixa de ser “o irmão de Macaulay”.

O núcleo familiar é completado por Tom Wambsgans, marido de Shiv, e Greg Hirsch, sobrinho-neto de Logan. Operando como uma dupla, movidos pela ganância e tendo o puxa-saquismo como modus operandi, são em geral os protagonistas dos momentos em que a série adquire um modo de comédia rasgada.

A trilha sonora composta por Nicholas Britell é um ponto alto – lembra às vezes Beethoven, às vezes Schubert, sempre com um toque de hip hop. A música tema é desdobrada em inúmeras variações, formando um conjunto de caráter quase operístico.

Outro destaque do seriado é a câmera, que parece estar em constante movimento, remete a um documentário e tem a capacidade de sublinhar, por vezes de forma surpreendente, o elemento dramático das cenas.

Ao encerrar com a quarta temporada, Succession evita o erro de se prolongar além da conta. Mas vai deixar saudade.

Participe de nosso grupo no WhatsApp, clicando neste link
Entre em nosso canal no Telegram, clique neste link

 

Luís Felipe Miguel
Professor de ciência política da Universidade de Brasília (UnB) e coordenador do Demodê - Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades.