Por que a traição masculina choca tão pouco? Por Nathalí Macedo

Atualizado em 23 de agosto de 2016 às 10:19

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O assunto da semana não foi a traição do velocista Usain Bolt.

Parece que o espírito do politicamente correto, da honradez e da fidelidade abandonou alguns brasileiros – e a “grande” mídia, sobretudo – quão logo fora esquecido o caso Fabíola.

Fabíola, a mineira que foi flagrada saindo do motel com um amigo de seu marido – ele a agrediu, filmou tudo e postou na rede.

Na época, muitos se indignaram com a infidelidade, defenderam, ávidos, a moral da família tradicional brasileira, embora a agressão física escancarada na internet tenha indignado a muito poucos.

O assunto da semana foi, na verdade, o fato de uma estudante ter feito sexo com Bolt. As fotos do velocista abraçado à estudante numa cama circularam na internet e foram recebidas com naturalidade, em que pese o fato de ele manter um relacionamento sério com a jamaicana Kasi Bennett. A moça postou mensagens de apoio ao companheiro durante a Rio 2016.

Indagada sobre a performance de Bolt, a brasileira afirmou que “não foi nada demais”, e isso foi tudo o que atraiu a atenção da mídia brasileira. Um bom e vexatório castigo para o garanhão, eu diria, mas, convenhamos: por que a traição masculina choca tão pouco?

As almas revoltadas que bradavam na internet quando Fabíola foi flagrada traindo o marido foram substituídas gradativamente por um espírito bem-humorado de complacência; os defensores da fidelidade e da monogamia se calaram.

O que se quer dizer quanto às diferenças pontuais de ambos os eventos e sua repercussão midiática é que os sites de notícias – e, honestamente, as pessoas de um modo geral – não parecem muito tocados em suas moralidades quanto ao fato de Bolt estar no Brasil a trabalho enquanto sua companheira de longa data o aguarda e torce por ele.

Ninguém pareceu sensibilizado com o adultério, outrora tão demonizado quando se via uma mulher agredida, filmada e exposta por tido sua traição levada a público.

Estão ocupados demais criando trocadilhos de gosto duvidoso – como indagar à brasileira se Bolt é também rápido na cama – para terem tempo de procederem com ele ao minucioso exame moral que se procedeu com Fabíola.

Em uma matéria da Uol, intitulada “As mulheres se atiram sobre Usain Bolt. E ele não consegue dizer não”, o velocista declarou que “Quando você fica famoso, há muita pressão de garotas te querendo. Se você se casar aos 21 anos, não viveu um bocado. É difícil, para mim, ficar com uma mulher, porque as garotas literalmente se jogam sobre você”. “Isso é muito injusto para nós, homens. É muito difícil dizer não”, completou.

Claramente, a velha desculpa do instinto masculino do garanhão irresistível está por trás da justificativa estapafúrdia de Bolt. O instinto que tem justificado e naturalizado traições masculinas há séculos, mas, na era dos questionamentos e do empoderamento feminino, já não cola mais.

Nenhum homem come com as mãos por instinto, e é desonesto, para não dizer de grande cinismo, utilizar essa justificativa apenas quando convém.

Como se não bastasse, o velocista reclamou da cobertura britânica a respeito da vida amorosa dos atletas. “Eu reparei que, no Grã-Bretanha, toda pessoa famosa, assim que fica famosa, tem que se casar; esta é a expectativa. Se você é famoso, precisa ter uma família. É isso que eles precisam vender na Inglaterra, não sei o porquê.”

Do ponto de vista moral – e, por que não dizer, de gênero – a questão não é se casar ou não se casar. A questão é a naturalização da promiscuidade masculina paralela à demonização da promiscuidade feminina, unânime, se não na mídia britânica, na grande mídia brasileira e na própria opinião pública.

Não houve estardalhaço pela traição de Bolt porque o adultério só incomoda a uma moralidade frágil e machista se estiver no feminino. Se uma mulher trai, ela é uma vagabunda – digna, inclusive, de porrada e escracho público – mas se um homem trai, ele é apenas um homem.