Por que a trapalhada de Jair Bolsonaro será demorada. Por Eugênio Aragão

Atualizado em 29 de janeiro de 2019 às 10:04
Bolsonaro e Mourão

POR EUGÊNIO ARAGÃO, ex-ministro da Justiça 

Os atropelos do primeiro mês de (des-)governo do presidente-capitão Jair Bolsonaro foram tantos que passaram a circular nas mídias opiniões insistentes sobre a provável brevidade do reinado de seu clã. Muitas dessas análises não passam de wishful thinking. Outras, mesmo sérias, parecem se confundir com o manifesto, com as aparências.

Mas a realidade latente é mais sinuosa, pois os interesses que levaram à instalação de um governo fascista no Brasil são poderosos e seus representantes tudo menos incompetentes. Sabem onde querem chegar.

À primeira vista, parece que Bolsonaro, até certo ponto, é uma bênção para a esquerda, pois fala tanta besteira, desgasta-se por tantas tolices e demonstra tamanho desconhecimento do que se passa nos vários escalões de seu governo, que logo ninguém mais o suportará. Pensava que governar era fácil como dirigir um fusca e se surpreendeu com a complexidade do cockpit do jumbo que teria que pilotar. Definitivamente não estava preparado para isso.

Ao mesmo tempo, o bando de oligofrênicos que escolheu para as pastas sociais, como educação e direitos humanos, fatalmente respingará na reputação de seus colegas mais competentes de ministério, a ponto que muitos preferirão largar o cargo para não queimar seu filme. Os Moros da vida, que aceitaram o convite para compor a equipe do presidente-capitão por vaidade e carreirismo, verão que escolheram mal seu super-herói e, querendo ou não, terão um fim com a mediocridade que lhes cabe.

Estaria tudo muito bom se ficasse por isso mesmo. Assumiria o vice, o general Mourão, boquirroto no comando de tropa, mas comedido e cauteloso na política e o país teria chances de dar a volta por cima, mesmo que com uma agenda conservadora. Ao menos, se voltaria a fazer business as usual, com a política travando seu legítimo embate de ideias e projetos. E, se o governo do general desagradasse, em 2022 voltaríamos às urnas para mudar o rumo do país.

É mais provável, porém, que isso não passe de uma quimera. Quem colocou o jabuti no poste, não está para gracejos. O que não fecha na conta de quem pretende Mourão rapidamente instalado na carlinga do Jair é a complexidade das relações entre os prováveis diádocos do capitão-presidente por destronar, hoje atores de um mesmo jogo.

O general Heleno e o general Mourão parecem ter preferências estratégicas bem distintas e não guardam nenhum afeto entre si, numa linguagem bem comedida. Mas ambos são firmes que nem as torres no tabuleiro de xadrez do poder. Nesse tabuleiro, Jair não é o rei, nem sequer rainha, mas só um bispo, do mesmo tamanho que o Paulo Guedes. O rei mora na Wall Street e a rainha, na Avenida Paulista. Dos cavalos, por sua vez, um se encontra na terra prometida, transformada em Disneylândia de Jesus para os evangélicos do calibre de uma Damares; o outro é togado e finge ser cego.

Perder um bispo não é bom, mas não significa necessariamente cheque-mate. Mas, ainda assim, o bom jogador, o Tio Sam, não gosta de sacrificar peças dinâmicas à toa. Jair não deve ser sacrificado. Ele tem o papel de bobo da corte, para alegrar os minions que o elegeram. E que esses minions, com domínio de redes sociais, têm um enorme potencial de produzir groselha e atrapalhar qualquer governança se desagradados, ninguém duvida. Eles precisam ser mantidos distraídos com seu Jair fazendo malabarismos atrapalhados. Para isso, o presidente-capitão tem enorme utilidade. É preciso apenas circunscrevê-lo a esse papel e não deixar que desempenhe qualquer outro.

É aí que entram em cena as torres: uma, a varrer o ambiente social à procura de inimigos do projeto político-econômico do mercado e, a outra, corrigindo, feito um copidesque, os escorregões mais sem-noção do bobo da corte. Cada um no seu quadrado. O resto é tudo peão, inclusive o Sr. Moro, que preferiu abandonar sua posição na cavalaria para pegar na enxada fascista.

Portanto, nesse xadrez, o que compete a quem não quer baixar a cabeça para esse projeto entrega-tudo é montar suas peças no tabuleiro e partir para dar cheque mate no Tio Sam. Mas não é substituindo o bispo adversário por uma de suas torres que vai conseguir essa façanha. Trata-se de um jogo demorado com um inimigo que é exímio jogador.

Não nos enganemos com as formas. O presidencialismo como o conhecíamos acabou. Para este funcionar, era imprescindível a figura de uma liderança respeitada e com carisma, um statesman ou uma stateswoman, tudo que o capitão Jair não é. Quem manda são outros,  uma cadeia de comando tão opaca quanto dissimulada e, para eles, o bobo da corte não precisa entregar os pontos, mas apenas fazer o que sabe – criar alvoroço e gritaria na plateia, para o serviço que interessa ser feito sem ruído, atrás dos bastidores.

Bolsonaro ficará por um bom tempo, se do outro lado do tabuleiro não houver estratégia e tática para vencer o jogo. Não esperemos que caia de podre, porque seu estado é que menos interessa a quem o colocou lá. Se souber incomodar, estará fazendo tudo certinho, podre ou maduro, tanto faz.