Por que a visita ao Brasil de um Nobel da Paz foi ignorada pela mídia. Por Pedro Zambarda

Atualizado em 11 de fevereiro de 2016 às 17:21
Kailash Satyarthi, Nobel da Paz
Kailash Satyarthi, Nobel da Paz

 

Enquanto toda a imprensa enfiava goela abaixo de seu público novos detalhes da novela do “sítio e do triplex do Lula”, uma visita importante ao Brasil foi completamente ignorada.

Esteve aqui o engenheiro indiano Kailash Satyarthi, Prêmio Nobel da Paz de 2014. Ativista pelos direitos das crianças contra o trabalho escravo infantil, ele encerrou uma maratona de conversas com chefes de Estado brasileiros no último domingo (7).

Nem mesmo o portal UOL, que abriga o blog do jornalista Leonardo Sakamoto e denuncia desrespeitos aos direitos humanos no trabalho, deu espaço para ele.

Kailash Satyarthi conversou com a presidente Dilma Rousseff, foi questionado brevemente por repórteres — sobre o impeachment — e visitou tanto Recife quanto Brasília. Ao jornalista Paulo Moreira Leite, do 247, o indiano defendeu o Bolsa Família e os programas sociais do PT.

“O Brasil tem hoje a legislação mais progressista do mundo sobre trabalho infantil. Para começar, o trabalho só é autorizado depois dos 16 anos. Nos outros países, como a India, o limite é 14”, afirmou.

“A legislação brasileira protege a criança com exigências rigorosas, o que facilita a ação de quem está interessado em punir abusos. É uma diferença importante, pois outros países não tem nada parecido”.

Satyarthi foi boicotado por ter sido convidado pelo Instituto Lula. “Satyarthi está formando um conselho com a presença de outros ganhadores do Prêmio Nobel e líderes mundiais para colocar em pauta questões como trabalho infantil, tráfico de pessoas e o trabalho escravo”, informa o instituto.

Nascido em Vidisha, região central da Índia, Kailash Satyarthi tem 62 anos e abandonou sua carreira estável de professor universitário em 1980 para se envolver em um movimento trabalhista pelo fim da escravidão em seu país. Com maior participação em mobilizações sociais, criou a Marcha Global Contra o Trabalho Infantil em 98.

Satyarthi formou-se como engenheiro elétrico e deu aulas no ensino superior, mas ganhou fama ao empreender campanhas a favor do consumo consciente entre os indianos, acreditando que a falta de políticas sociais dão espaço para o trabalho escravo.

Tal regime forçado traz a pobreza, a exploração infantil e o desemprego para seus conterrâneos. Esse trabalho articulado o levou a se tornar membro da UNESCO, contribuindo para políticas educacionais da ONU.

O Prêmio Nobel que ele ganhou em 2014 foi dividido com a ativista paquistanesa Malala Yousafzai, que foi baleada por talibãs e passou a militar pela educação feminina no Oriente Médio. Kailash Satyarthi se aproxima de Malala no sentido de encarar a escola e os mecanismos sociais como ferramentas de emancipação social.

Só o trabalho de Satyarthi junto com as organizações que ajudou a criar protegeu 83 mil crianças em 144 países ao redor do mundo, segundo o Hindustan Times. As atitudes dele em sua “cruzada” contra a escravidão e os abusos infantis geraram diretrizes adotadas globalmente.

A formação das crianças, distante dos trabalhos forçados, é uma forma de diminuir e tentar eliminar a miséria em países pobres.

Não vimos nenhum sinal de apuração dos jornais de São Paulo sobre o Nobel. Não houve menção ao encontro na agenda das editorias de política dos portais de internet.

Nada aconteceu para a mídia brasileira.

Lula aceitou a proposta para entrar no Conselho Global Pelos Direitos das Crianças, que ainda está em formação e provavelmente terá uma atuação junto com outros trabalhos de Satyarthi dentro e fora da Índia.

Os brasileiros não ouviram falar do Nobel, mas foram entupidos de notícias sobre barcos de 4 mil reais, pedalinhos e elevadores privativos. Dentro da lógica antipetista, noticias sobre um organização contra trabalho infantil não são notícias.