Por que adorei cada minuto de Os Miseráveis

Atualizado em 6 de fevereiro de 2013 às 10:45

Para quem gosta de musicais, o filme é um banquete.

Nossa colunista Camila Nogueira apreciou a adaptação recente de Os Miseráveis, embora não a considere tão boa quanto o espetáculo.
Nossa colunista Camila Nogueira apreciou a adaptação recente de Os Miseráveis, embora não a considere tão boa quanto o espetáculo.

Tanto Rocky Horror Picture Show quanto O Fantasma da Ópera ocupam um lugar especial no meu coração, e eu os prezo como dois de meus musicais favoritos de todos os tempos. Mas qualquer um que me conheça bem sabe que, desde que o assisti em um teatro londrino no qual está exposto há mais de vinte e cinco anos, Os Miseráveis tornou-se meu musical predileto e, suponho, é muito pouco provável que eu venha a substituí-lo em qualquer momento.

Para aqueles que não sabem, o musical foi baseado em um livro de Victor Hugo. Tendo sido realizado inicialmente em francês, as letras originais de Alan Boubill e Jean Marc Natel foram traduzidas para o inglês por Herbert Kretzmer, que – verdade seja dita – o fez com maestria. O romance conta a história de Valjean, um homem que fica preso vinte anos por ter roubado um pão. Enfim libertado, Valjean se recoloca na sociedade, mas o antigo guarda da prisão, Javert, transformado em comissário de polícia da cidade, quer prendê-lo de novo.

O romance foi adaptado para o cinema várias vezes. A “dupla” Valjean e Javert foi interpretada por Fredric March e Charles Laughton, Liam Neeson e Geoffrey Rush, Gerard Depardieu e John Malkovich e, mais recentemente, Hugh Jackman e Russell Crowe.

Permito a mim mesma analisar friamente cada uma das adaptações, tendo assistido a todas. Em geral, os atores que interpretaram Javert se saíram melhor do que os que interpretaram Valjean. Existiram poucos atores como Charles Laughton, que era tão talentoso quanto gordo. Geoffrey Rush, me pareceu, não foi capaz de encaixar-se perfeitamente no papel – e esteve muito melhor como o médico em Discurso do Rei. Liam Neeson foi um bom Valjean, mas sem nada de particularmente especial. Claire Danes, a Carrie de Homeland, e o belo Hans Matheson, o Alec de Tess of the D’Urbervilles, fizeram um casal sem sal, mas desempenharam bem seus papéis. Uma Thurman, me pareceu, foi uma Fantine um pouco apagada e sem destaque. Quanto à adaptação de 2000, John Malkovich é John Malkovich, e não tenho muito o que dizer sobre isso.

Mas, na minha opinião, nenhuma dessas adaptações se compara à que está nos cinemas atualmente. Sim, foi criticada por muitos – “Não aguentei nem vinte minutos!”, “Eles cantam o tempo inteiro!” e “É extremamente entediante”. Frases como estas figuram em algumas críticas no Imdb, e também já as ouvi ao vivo. Aqui no Diário, inclusive, publicamos uma crítica negativa, e cujo ponto de vista era perfeitamente compreensível.

Mas, bem, é um musical. Quem não gosta de musicais não vai gostar, e nem vale a pena assistir. E, já que é um musical, é perfeitamente compreensível que eles cantem o tempo todo. E, quanto ao tédio, entendo aqueles que o sentiram. Mas devo afirmar que não o senti em momento algum, durante seus cento e cinquenta e o oito minutos. “É muito longo”, podem dizer. Aqueles que assistiram o musical sabem que ele é igualmente longo, e que faz todo o sentido não cortar as músicas (exceto por The Runaway Cart, cantada por Javert, que ficou sem sua segunda parte, e Drink With Me, cantada pelos revolucionários, que foi cortada pela metade).

Os atores, eu suponho, se encaixaram adequadamente em seus papéis. Hugh Jackman, apesar de não cantar muito bem (não que eu possa afirmá-lo com propriedade, uma vez que não tenho lá muita experiência em reconhecer grandes cantores), foi um Valjean perfeito. Liam Neeson, Gerard Depardieu e Fredric March fizeram grandes trabalhos, mas foram superados por Jackman. Minha mãe achou que Russell Crowe não se saiu muito bem como Javert, mas eu o considerei perfeito para o papel. Sua única falha foi não imitar Philip Quast, intérprete de Javert no aniversário de 10 anos do musical, em seu sotaque irresistível ao pronunciar o próprio nome (Javerrrrrrrt!).

Anne Hathaway fez um trabalho impressionante como Fantine, e apagou qualquer resquício de Uma Thurman no papel, com uma voz linda e doce e uma atuação excelente. Amanda Seyfried se saiu bem como Cosette, talvez por ser tão sem sal quanto ela. Eponine e Enjolras estiveram muito bem em seus papéis, o garotinho que fez Gavroche estava adorável e Helena Bonham Carter e Sacha Baron Cohen trouxeram certo toque de comédia que cai muito bem na tragédia que caracteriza o filme, que faz jus ao título.

Eddie Redmayne contou em uma entrevista a maneira como ganhou o papel de Marius de Pontmercy, o jovem revolucionário aristocrata que rompe com o avô rico para lutar pela deposição do rei. Quando ficou sabendo da futura adaptação, gravou um vídeo com o celular, no qual cantava Empty Chairs At Empty Tables, a música principal de Marius, e enviou ao seu agente. O agento enviou aos produtores e, logo depois, o papel era dele. E, suponho, não poderia ter sido de mais ninguém. Ainda que sua voz seja mais fina do que a minha, ele se saiu muito bem no papel.

A trilha sonora do filme é linda. A cada música, eu suspirava e dizia para mim mesma: “Essa é a minha preferida”. Mas, depois de um bom tempo tentando decidir qual era realmente minha preferida nesse momento (já que cada hora eu prefiro uma), escolho Red And Black, cantada pelos revolucionários um pouco antes do início da rebelião. “Vermelho, o sangue dos homens corajosos – negro, sombrio como as eras passadas; vermelho, um mundo prestes a alvorecer – negro, a noite que, enfim, termina.” Depois, considero particularmente bela a música cantada na chuva por Eponine, On My Own. O vídeo está abaixo.

Les Miserables é, acima de qualquer outra coisa, comovente e tocante. O tema é realmente forte – Jean Valjean passa quase vinte anos preso por ter roubado um pedaço de pão, Fantine é obrigada a prostituir-se, vender o cabelo e dois dentes para sustentar a filhinha, que é abusada pelo casal que a cria, e uma boa parte dos personagens morre, incluindo crianças. Pessoas relativamente sensíveis não aguentam e acabam sucumbindo às lágrimas em algum momento. Por isso, inclusive, não insisto para que meu querido e frágil irmão Pedro assista o filme. Mas isso não tira, de modo algum, o mérito da narrativa, que provoca calafrios e relata, de um jeito emocionante, a história de uma época, de eventos históricos marcantes e de personagens oprimidos e atormentados pela justiça e desigualdade. Mas a tristeza em Les Miserables não é banal – e, por mais dramáticas que sejam as circunstâncias, há no final um sentimento de esperança, ocasionado pela canção Do You Hear The People Sing. Pois, como diria Robespierre, “Na verdade, para amar a justiça e a igualdade, as pessoas não precisam de nenhum esforço virtuoso – é suficiente que amem a si mesmas.”

Encerro o texto afirmando que a saga de Jean Valjean prova a teoria do revolucionário francês Louis Antoine de Saint-Just, mais conhecido como Arcanjo da Morte ou Arcanjo do Terror. As pessoas, de acordo com Saint-Just, nasceram para a paz e para a liberdade, e se tornaram miseráveis e cruéis a partir da ação de leis insidiosas e opressivas. No momento em que Jean Valjean, a partir da bondade do bispo Myriel, entra em harmonia com os preceitos de sua natureza e de seu coração, deixa de ser infeliz e corrupto.

Clap Clap Clap de pé para Victor Hugo, com seu senso de justiça, e para o próprio musical, que comove a plateia há anos.

 

O ator australiano Hugh Jackman como Jean Valjean
O ator australiano Hugh Jackman como Jean Valjean