Por que Alckmin precisa de balas de borracha?

Atualizado em 12 de dezembro de 2014 às 16:39
bala de borracha
O fotógrafo Sérgio Silva, cego de um olho por causa de um disparo

 

No último dia 3, a Assembléia Legislativa de São Paulo aprovou o projeto de lei que proíbe o uso da bala de borracha (conhecida tecnicamente como elastômero) pela polícia militar. O PL é de autoria de João Paulo Rillo, líder da bancada do PT na ALESP e sua aprovação ocorre um mês depois de uma liminar que já proibia o uso do artefato ter sido derrubada no Tribunal de Justiça.

Está nas mãos do governador Geraldo Alckmin sancionar ou vetar a lei. Seu prazo é de 30 dias. É uma decisão importante, mas é muito mais importante que, no caso de sanção (e torço para que seja sancionada embora acredito ser remota a possibilidade do governador fazê-lo, por seu perfil), seja cumprida a lei. Porque Alckmin já havia proibido o uso do artefato algumas vezes para depois voltar atrás na decisão ou, pior, ser solenemente ignorado pela polícia.

Isso chegou a ocorrer nas dependências da própria ALESP (em que manifestantes e até deputados foram feridos) e em outras oportunidades de manifestações populares. A PM – sua subordinada – descumpre suas ordens na cara dura. Assim como a falta de identificação nas fardas ou a própria norma de não se atirar acima da linha da cintura, de nada adianta uma obrigatoriedade se a polícia age como bem entende.

“Um dos legados mais importantes de junho de 2013 foi trazer para a pauta tanto da sociedade quanto do legislativo a violência policial. O que a gente percebe é um descontrole total do estado. Pessoas em tese treinadas para lidar com a população são na verdade treinadas para o confronto. Tivemos muitos casos de pessoas dilaceradas e que depois a justiça reafirma essas ilegalidades.”, diz Luiz Guilherme Ferreira, dos Advogados Ativistas.

Por reafirmar essas ilegalidades, entenda-se inverter a responsabilidade. É o que aconteceu com o fotógrafo Alex Silveira, vítima que perdeu o olho por bala de borracha há 14 anos e que foi declarado culpado pela justiça recentemente. Sua atuação como profissional foi questionada, sua capacitação profissional foi comprometida, seu físico foi mutilado e não será indenizado. “Não deveria estar ali”, foi o veredito.

“O estado reage no âmbito jurídico dando continuidade à violência do instrumento de força que age na rua. O judiciário repete a violência”, declara Sergio Silva, outro fotógrafo que teve perda total da visão do olho esquerdo pelo mesmo meio em 13 de junho do ano passado. “Mas temos que ter em mente que a proibição do uso da bala de borracha não basta. Temos que acompanhar todas as questões que envolvem a segurança pública.

Temos um arsenal de armamentos menos letais que já foi comprado, o que será feito com esse material? Qual é a empresa que vende esse material, com quem ela dialoga, quem são os deputados que vendem esses projetos? Temos que lutar com todos esses questionamentos que esse tema traz”, prossegue Sergio.

A medida não seria nenhuma atitude vanguardista do conservador governador. Depois de passar por experiências trágicas, alguns países proibiram sua utilização. Afinal até sua definição como ‘não letal’ é equivocada.

Dependendo da distância em que é feito o disparo e qual a região do corpo atingida, mata sim. Mas a inépcia ao lidar com manifestações e sobretudo com manifestantes, tem sido uma marca do governo que é capaz de importar ideias tão absurdas quanto o ‘cordão de kettling’ (ou ‘caldeirão de hamburgo’) mesmo depois, muito depois, de essas táticas já estarem proibidas em seus países de origem por resultarem em abusos de violência.

Polêmica, a bala de borracha foi criada talvez na melhor das intenções. Na prática, é algo cujo propósito não se sustenta. Afinal, sem ser em manifestações ou reintegrações de posse (resumindo, contra jovens, mulheres e crianças indefesos), em que outras ocasiões ela é utilizada? Quando a coisa é para valer a polícia usa munição metálica mesmo.

O uso dessa munição em vez de proporcionar menos letalidade acaba por adquirir um tom diversionista (PMs devem se sentir jogando paintball) ou, pior, suponho que seja visto como uma chance de treino em alvo móvel. E tudo perpassa pela velha questão da militarização da polícia cuja profundidade do tema não cabe aqui agora (o assunto já foi tratado por diversas vezes no DCM e nossa posição é conhecida).

Portanto proibir o uso do elastômero é mais um passo no sentido de preservar o direito às manifestações. O disenso é fundamental para a prática da democracia e as balas de borracha são o melhor exemplo da intolerância com que Alckmin e as polícias tratam os posicionamentos contrários aos seus. Chega dessa borracha estúpida.